terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A LITERATURA VISTA DE LONGE

Luiz Horácio


Inovação é sempre um choque quando se trata dos empoeirados e medievais métodos de estudos literários, mesmice e repetição, os seguranças do tedioso cofre da literatura. Franco Moretti foge à regra, criou um método onde combina geografia cultural com análise de dados estatísticos no objetivo de explicar os processos evolutivos da literatura. Inova sem desprezar o óbvio, diz: Os livros sobrevivem se são lidos e desaparecem se não o são. Só mesmo Joyce, Cervantes e Simões Lopes Neto, com seus Ulisses, Dom Quixote e Contos gauchescos, os livros mais lidos que ninguém leu; podem contrariar essa “brilhante” máxima de Moretti. Qualquer leitor, em qualquer tempo, sempre foi atraído pelo novo e dessa forma se estabelecem os ciclos que veremos adiante. Este aprendiz se atreve a acrescentar uma palavra para tornar ainda mais óbvia a frase do estudioso e pesquisador da literatura, Franco Moretti. Os livros e os escritores sobrevivem se são lidos e desaparecem se não o são. Quanta perspicácia a minha!


A Literatura vista de longe , não é de todo uma novidade, como você também pode ver, paciente leitor; seu cartão de visitas foi apresentado em 2003 pela editora Boitempo com Atlas do Romance europeu: 1800 - 1900. O autor apresentava ali sua aversão ao “close reading” da tradição de língua inglesa, ou seja, a leitura de perto dos grandes textos, dos grandes romances. Diz o autor. “ Distant reading, chamei uma vez, um pouco por brincadeira e um pouco não, a este modo de trabalhar em que a distância não é um obstáculo, mas sim uma forma específica de conhecimento. A distância faz com que se vejam menos os detalhes, mas faz com que se observem melhor as relações, os pattern, as formas.”


E isso não lhe parece óbvio, arguto leitor? É uma maneira de conhecer, de longe. Não significa ser melhor do que examinar bem de perto e à exaustão. Vantagens e desvantagens sempre aparecerão em qualquer das escolhas.


O que se pode dizer, para começar, de A literatura vista de longe? Que se trata de um guia de leitura? De uma propaganda, nada corriqueira, de como se analisar e estudar a Literatura? Sim, pode ser tudo isso e mais a solidão, caso se pretenda estender esse universo aos meios acadêmicos, por demais enfastiados em seus medievais e sonolentos conceitos . E nessa queda de braço entre a critica e os academicismos, infelizmente a vantagem ainda está com estes conservadores.



Moretti discorre a cerca da cultura ocidental e atesta sua decadência, mas não espere chororó por parte deste criativo autor, com espírito brechtiano trata da decadência dos departamentos de literatura das universidades, também sem lamentações. Entende que das cinzas pode brotar o novo. “Uma disciplina que está perdendo o seu fascínio pode tranqüilamente arriscar tudo e procurar um novo método.”

O método de Moretti viaja pela contramão das dissertações e teses de mestrado e doutorado respectivamente, onde se vasculha uma obra, o mestre e o doutor saberão tudo, tudo e mais o que inventarão, sobre determinada obra. Estarão aptos a palestrar ad infinitum acerca desse seu esquálido corpus, impressionarão incautas platéias e na seqüência cobrarão de seus miseráveis alunos, artigos e mais artigos sobre seu único tema. Mas com uma condição:jamais contrariar o mestre, o doutor. Enquanto isso... “lá vem a literatura descendo a ladeira.”


Moretti, apesar de professor de Literatura, não acompanha a grande massa de seus colegas e críticos, propõe o inusitado, algo beirando a heresia, a maldição, aos patéticos puristas. Os puristas sempre são patéticos. A propósito, quem critica a crítica? Quem critica essa parasita, extrema dependente da obra que disseca? Você deve estar se perguntando, astuto leitor; então por que esse idiota escreve resenhas criticas? E o idiota responde: por que gosto de escrever sobre algo que me agrada profundamente. Mesmo assim cabe ressaltar que a obra de arte não precisa da crítica.

Voltando, mais objetivamente, à obra de Moretti, importante dizer que seu método sugere algo próximo às praticas dos economistas, contabilistas , geógrafos e biólogos. Cálculos, estatísticas, gráficos,mapas, árvores, isso tudo para examinar, não uma obra apenas, ad nauseam, mas períodos. As conclusões, preliminares no dizer do próprio autor, são animadoras. Mas também convém não cair na esparrela de que seja o que for desde que acompanhada de gráfico é o retrato da verdade. Calma! A Literatura vista de longe é uma novidade, por enquanto com habilitação provisória, reservo a ela um lugar na minha estante de curiosidades. Não reprovo essa tese de Moretti, no entanto me parece que tal preocupação com o macro, pronto, incorporei o jargão economês, deixa de lado o básico, o criador, a vontade criadora e um receptor, ao menos, capaz de se relacionar com essa obra. Até mesmo as obras inéditas contam com pelo menos um leitor, o próprio autor. No entanto a relação entre autor e leitor/leitores não ocorre sem a mediação da crítica, me refiro a percepção do leitor, da sua capacidade de fugir aos rasgos sentimentais e avançar numa análise estética e intelectual. Para isso serve a crítica e Moretti podia ter aprofundado o exame desse papel. Esqueci, sua teoria visa “o macro”.

Sigamos, pois.

A Literatura examinada por Moretti é uma literatura que, geograficamente, se situa bastante distante da terra de Macunaíma.

No primeiro gráfico, a pesquisa do autor contempla o aspecto quantitativo, o motivo é o romance, ascensão e queda. Traduzindo: mercado. Moretti trata das curvas, ascenção e queda do romance, enumera causas, e mostra a Literatura como refém de determinados ciclos, a saber: questão de gênero, ou guerra de sexos caso você prefira, caro leitor pouco afeito a eufemismos. O embate entre os sexos ocorre com as seguintes armas: No séc. XIX o romance britânico era território quase que ocupado exclusivamente por mulheres, Jane Austen é a autora emblemática, retrata o ambiente doméstico onde a objetivo da “pobre moça de família” é o casamento. Assim como Jane Austen, inúmeras engrossam essa fila. A seguir temos o ciclo do romance histórico de aventura, sir Walter Scot e seu Ivanhoé,constituindo uma literatura extremamente masculina e belicosa.

Como disse no começo, A literatura vista de longe é, sem a menor dúvida, um livro curioso. Tão curioso m quanto a enumeração de 44 subgêneros do romance, sugerindo um território ainda virgem da teoria literária. Dependendo da época; picaresco, sentimental, náutico,de formação, doméstico, religioso, histórico, de conversão, etc.. São subgrupos bem diferentes levando a concluir que tanto faz a orientação, diacrônica ou sincrônica o romance é o conjunto de seus subgêneros.

O capítulo Mapas conduz o leitor ora ao campo,as vilas, as pequenas cidades; ora à cidade, a cidade industrial, e dessa incessante tensão entre espaço, forma são traçadas as transformações do romance. Interessantíssimo.

Ainda no terreno das curiosidades chega-se ao capitulo Árvores. O economista dá lugar ao biólogo, botânico, e sua persona darwiniana. A ferramenta é a biologia evolutiva, com ela Moretti oferece a sua explicação à evolução das formas narrativas, dos clássicos, ele aprofunda esse estudo a partir do séc.XIX, até literatura latino-americana, Roa Bastos, García Márquez, Carpentier,Vargas Llosa. Se a seleção natural é fundamental na evolução da vida, Moretti afirma que com o romance ocorre algo semelhante. Extremamente objetiva, essa análise também é no mínimo duvidosa. O autor cria árvores e estabelece relações de fulano com beltrano, mas e o sicrano best seller não aparecem sequer como pragas. Negá-los? Como?


Enfim, dentro de uma obra encontramos uma série de lutas, de tensões, partir daí para o exterior e lançar, de longe um olhar sobre essas obras sempre comparadas ou alinhadas a outras, à mercê das mudanças da sociedade, sejam econômicas ou políticas para não me estender, é desprezar a obra propriamente dita.


A literatura vista de longe , ínsito, é um livro, uma tese curiosa, uma abordagem inovadora, mas vulnerabilíssima. Instigante, um livro a despertar curiosidades, já está de bom tamanho. Mas não leve esse comentário muito a sério, leia o livro, e não esqueça da inferioridade ontológica da crítica quando comparada com a literatura.



A CRITICA E SUA INFERIORIDADE ONTOLÓGICA SE COMPARADA COM A LITERATURA.

TRECHO


Até aqui a vertente social e “objetiva” do estilo indireto livre comandou? As “verdades” do narrador neoclássico, a doxa da opinião, o conflito das idéias de Dostoiévski, a voz das pequenas comunidades e das classes sociais, a longa permanência dos mitos orais... Mas, em torno de 1900, é despertado também o pólo “subjetivo” da técnica. Inicia-se, como talvez fosse inevitável, com um conjunto de estilizações de cunho alto-burguês ( James, Mann, Proust, Wolf...), onde a distância entre voz individual e norma social permanece ainda quase imperceptível; depois, mais radical, a generalização de Joyce desfaz-se, sem muita cerimônia, da cultura das boas maneiras, e desloca o seu campo de observação para dentro dos estratos secretos e inconscientes da vida psíquica. O lado “objetivo” do indireto livre está ainda bastante atuante. Senão por outro lado, pela pesada estrutura de lugares-comuns que Bouvard e Pécuchet deixa como herança a Ulisses.Mas Joyce aprende logo a pôr de ponta-cabeça suas funções, colocando-as a serviço das acrobacias centrífugas da mente de Leopold Bloom. E, ao fazer isto, Joyce segue a mesma estrada já percorrida por Dostoiévski em Crime e castigo: da mesma forma que nas reflexões de Rasckolnikov, a terceira pessoa do indireto livre terminava, como regra, por ceder o passo à segunda pessoa do dialogismo, em Ulisses ela resvala - ou talvez fosse mais exato dizer precipita-se - para a primeira pessoa ( e para o tempo presente) do stream of consciousness, com a sua galáxia de associações particulares e, aliás, euforicamente idiossincráticas.

Última bifurcação, uns 30 anos atrás: os romances de “ditador” latino-americanos. Aqui, a alternância gramatical permanece aquela entre terceira e primeira pessoa, mas a direção está de cabeça para baixo e, relação a Ulisses: ao invés de uma narração em terceira pessoa que modula rapidamente em direção do eu, o ditador ambiciona objetivar a própria (e patológica) interioridade nas poses monumentais de uma pessoa pública . “A minha dinastia começa e termina em mim, em EU - ELE, escreve Augusto Roa Bastos em Eu o supremo.




AUTOR


Franco Moretti é professor de Literatura Comparada na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, onde fundou o Centro de Estudos do Romance. É autor de Atlas do Romance europeu e Signos e estilos da modernidade,entre outros, e editor do compêndio em cinco volumes Il Romanzo.

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