quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Inventário do meu quintal

Geraldo Borges

Depois da chuva fiz uma visita ao meu quintal que fica atrás da varanda da minha casa, levando uma prancheta e um lápis. Para listar as plantas estão vicejando no meu chão, a começar pela grama,pequenos tapetes verdes que mudam de cor conforme a incidência do sol de manhã cedo ou no crepúsculo onde saltam gafanhotos A lavoura do meu quintal é bastante diversificada . Começo a registrar os nomes das plantas sem levar em consideração os seus nomes latinos, até mesmo por não sei. E se soubesse não iria infernizar o leitor com tanto conhecimento.

No meu quintal tem abóbora que nasce tão frágil mas em seguida vai se espalhando pelo chão. Nesta altura, como choveu muito deu abobora a valer, a gente não á conta. Para ficarmos livre dela fazemos a política da boa vizinhança. Tem ráfia que é uma palmeira, tem orquídea que no momento estão desabrochando; não gostam muita de água nem de sol preferem a sombra; são vegetais sofisticados, de espírito barroco. Tem orelha de coelho, também conhecida pelo nome de pulmonária. Tem coentro do Pará. Tem vinagreira, conhecida pelo nome de hibisco . Tem sálvia, um tempero. Tem alecrim que excelente para se tomar feito chá , ou cheirar no vapor para curar sinusite e mesmo arejar a memória. Tem tomilho, palavra bonita que aparece em um lindo soneto de Florbela Espanca quando ela se refere a uma linda rapariga do campo – “ cheirando a alfazema e a tomilho.” Tem lichia, fruta originaria da China , e já bem adaptada por aqui, parece uma pitomba. Saborosa e suculenta. Tem alho todo ano, violenta arruda, com seu cheiro forte e seu folclore para as pessoas que gostam de levar um ramo atrás da orelhas para evitar olho gordo, pois os olhos são a parte mais promiscua da carne e se metem em todas a s fechaduras. Jaca, cupuaçu, sapoti, alfavaca, considerado um tipo de manjericão, cheira que é uma beleza, abacate, quebra pedra, capim santo, mamão tomate papiro, pimenta do Reno, que dá todo ano, baunilha, uma trepadeira, acerola, pitanga. Figo que eu trouxe do quintal de minha mãe lá da província de Teresina, manga também trazida do sitio de minha irmã no Piauí Cebolinha, boldo, erva cidreira , cebola branca, que parece estar em extinção, bom ingrediente para fazer paçoca com farinha e carne seca pisada no pilão.

Espinheira santa, salmonela, que tem um cheiro muito forte e serve para repelir insetos caseiros. Abacaxi, nunca frutificou, mas parecem três coroas de reis decepadas no meio da grama, ou cartas de copas de baralho desenhadas no tapete do quintal, folha santa, babosa, que as mulheres usam como produto de beleza para amaciar o cabelo, mamona, não sei como esta planta veio parar no meu quintal,talvez tenha sido trazida pelos morcegos. É a planta dos famosos purgantes de óleo de rícino tão conhecido nas paginas famigeradas da nossa historia do fascismo tupiniquim. Goiaba. Pena que dificilmente se encontra uma goiaba saudável, dela só se salva o cheiro e a sombra. Caju, espada de são Jorge, girassóis de carolas amarelas olhando para o nascente. Tamarindo, o frondoso pé de tamarindo não está propriamente dentro da área do meu quintal mas seus galhos generosos se derramam por cima do muro do vizinho, do nosso muro e vem nos oferecer suas vagens maduras e doces. Isto me faz recordar os versos de um poeta não sei se Ferreira Gullar ou Geir Campos, não importa, todo poeta é a mesma coisa, que disse. “ Que importa a árvores carregada, dar fruto no quintal do vizinho, a natureza, o anjo de ígnea espada, ou mesmo o homem com seu machadinho?” Tem também mandioca, quer dizer aipim, samambaia, mandacaru, com frutos vermelhos. Tinha um pé de coco da praia, mas morreu, morreu de pé, continua altivo. E as arara azuis em suas viagens pousam nele para descansar de seus vôos. Depois batem asas se despedindo com um grito agudo.

Parece que terminei de registrar a lista das plantas de meu quintal, que na verdade estão mais aos cuidados de minha mulher e da nossa empregada. Ela não esquece toda manhã ou de tarde aguá-lo com um regador as plantas mais tenras e com um mangueira as mais taludas.

Nosso quintal é um santuário onde penetramos com veneração para fazermos nossa terapia. Ele é o meu refugio, meu salmo, onde meu cálice transborda, parece um pouco com a paisagem rural da minha infância no meio desta cidade cheia de arranha céus, cimento e córregos cobertos de asfalto. Nosso quintal é um pedaço da flora de nosso pais onde cantam passarinhos, onde as minhocas e as formigas e as abelhas trabalham. Louvam deuses, gafanhotos mimetizam-se no meio da paisagem. Mas eu não me iludo, um dia bem longe ou mesmo próximo ele será destruído pela sanha imobiliária para dar lugar a um condomínio, ou,quem sabe,a um grande estacionamento, a não ser que seja tombado ao patrimônio nacional, vire um parque. Mai aí já é sonhar alem dos interesses e ambições dos nossos governantes que pouco estão ligando para o meio ambiente.

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