Cinéas Santos
2 de maio de 65. Fazia uma manhã de cristal, dessas que só acontecem em Teresina, quando me despejaram na Praça Saraiva. Como ninguém me convidara, ninguém esperava por mim. Com 17 anos de idade, eu jamais me afastara um quilômetro do olhar severo e protetor de d. Purcina. Agora, só e desamparado, pude aferir a espessura do medo. A cidade acesa lançou-me um desafio: conquista-me ou te devoro.
Aos olhos do garoto assustado, desfilavam as surpresas. A primeira delas: o tráfego dos automóveis nas ruas. Carecia de tomar tento para não voltar para minha aldeia convertido em notícia ruim. A segunda: o verde dos quintais. Para quem vinha de uma terrinha cinza-abandono, Teresina era um oásis sem deserto, na feliz expressão do Millôr. A terceira: o Parnaíba. Em minha aldeia não havia rio nem notícia de rios. Aquele mundão d’água fluindo rumo ao desconhecido me pareceu um desperdício. Eu não sabia que é da natureza dos rios fluir e renovar-se. A quarta: as mulheres. Eu nunca tinha visto tantas em minha vida, nem em dia de procissão de São Raimundo Nonato. Por elas, decidi que aqui sentaria praça, fincaria fundas raízes no chão da chapada.
É escusado dizer que a cidade não se entrega aos náufragos sem cobrar-lhes a alma. Aqui, aprendi que solidão é a mais dolorosa rima para coração; que fome é algo mais que o lapso de tempo entre uma refeição e outra. Durante cinco anos de privações e provações, perambulei por becos, ruas e praças como um sonâmbulos invisível. Paradoxalmente, a cidade que me hostilizava não me via. Ásperos tempos...
No início da década de 70, premido pelas dificuldades, entrei numa sala de aula para ensinar o que não sabia. Era a senha para chegar ao coração da “cidade amada”. O magistério abriu-me portas, braços, corações... A partir de então, o que era indiferença se fez atenção; o que era recusa, acolhimento e até as mais ásperas tardes de outubro converteram-se em manhãs de maio. A cidade, com a cumplicidade dos meus sentidos, adonou-se de mim a ponto de me fazer esquecer de que um dia vivi em outro lugar. Ao longo desses 43 anos de convivência, nunca me ausentei de Teresina por mais de uma semana. Como tenho afirmado tantas vezes, em Timon já me sinto um tantinho no estrangeiro. Sou um animal perfeitamente integrado à realidade física, humana e, principalmente, cultural da cidade. Aqui estou inteiro, sem que me “arda o desespero de ser dono de nada”, como diria nosso Poeta maior. Viver em Teresina me basta.
E como se fossem poucos os afagos, paparicos e carinhos, a Câmara Municipal de Teresina, por iniciativa do vereador Fernando Said, decidiu conceder-me o título de Cidadão Teresinense, honraria que ( me perdoem a imodéstia) fiz por merecer. Nesta cidade, investi o que de mais caro possuo: meu tempo, meu trabalho, meu amor. É certo que sou cidadão teresinense desde que aqui cheguei: o meu domicílio eleitoral é aqui. Mas esse título me dá a certeza de que combati o bom combate.
Meus irmãos e minhas irmãs teresinenses, que este título não me obrigue a fazer a única coisa de eu não seria capaz: a amar esta cidade mais do que sempre amei. Meu coração, cansado de tantos embates, não suportaria. Tenho certeza.
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Recebi a crônica e este convite: "Num gesto impensado, a Câmara de Teresina, concedeu-me, há oito anos, o título de Cidadão Piauiense. Resolvi recebê-lo antes que caduque. A solenidade será na Oficina da Palavara, a partir da 19 horas no dia 4 de julho do ano em curso. Aproveitarei a oportunidade para lançar Nada Além, livrinho de poemas ciurcunstanciais. Eu ficaria muito feliz com a sua apresença. Acredite. Velho Ancião."
Mestre Cinéas merece. Como não posso ir, divulgo.
Um comentário:
Sendo assim, deixo o texto pra curriola da confraria da Oficina ler com exclusividade no Piauínauta. Parece que estou vendo no "The Day After" o tardio diploma sufocado numa notinha de três linhas pelo "Independence Day" e pelas poses de nudez que a cajuína não fez. Ainda bem que o Ancião c... e anda pra tudo isso.
E o céu de THE continua azul fudente, né, Cineas?
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