domingo, 15 de setembro de 2013

Das doenças de menino


(Edmar Oliveira)
 
Quando eu fui criança, antes das vacinas chegarem ao interior do Piauí, tinha uma avó que me escondia das doenças de menino – catapora, caxumba, sarampo, tosse brava, entre outras. Era a vó Bebela. Mas a vó Maria, Mãe Velha, como chamavam meus primos mais chegados na casa, empurrava os meninos para o contágio, assim que o tempo das doenças chegava nos Palmeirais. É que o tempo, além de ser dividido pela seca e pela chuva nas enchentes do rio, também era marcado pela chegada das doenças de meninos. No tempo da tosse brava era de um tossir compulsivamente até ficar vermelho e chorar. No tempo da caxumba, que a gente chamava papeira, era de aumentar o papo de um lado ou dos dois, que tinha também as que davam dos dois lados. Num incomodava muito não, mas a gente devia de repousar senão a papeira descia pro saco e aí não me perguntem o que acontecia que eu só sabia das ameaças, nunca vi de vera. Nas doenças bexiguentas era mais complicado e eu me lembro que numa delas tive de dormir em cima de folhas de bananeiras para ajudar a sarar. Também não me perguntem o motivo, que essas sabedorias que vinham passando de gerações em séculos pelos costumes são inquestionáveis.

Mas hoje eu me pergunto se a vó Bebela ou a Mãe Velha, quais das duas tinha razão. Me lembro que a Mãe Velha dizia que doença de menino tinha que acontecer quando se era menino, que depois de grande as complicações eram bem piores. Não sei se as complicações, mas a memória que fica das doenças é mais esmaecida. A da folha de bananeira, não sei se catapora ou sarampo, foi uma tardia que tive, pela proteção infantil da minha vó, e me lembro muito mais das complicações. Já estava mais taludo, querendo engrossar a voz. Aqui dou razão a vó Maria, que nunca soube que existiam vacinas. No sertão, na segunda metade do século XX ainda estávamos no começo do XIX.

Mas a vó Bebela me proibiu de ver um amiguinho de infância que estava com crupe. O que a gente chamava crupe era a maldita difteria. Fiquei muito chateado, mas escapei de morrer mais uma vez. Meu amiguinho morreu e eu me lembro dele até hoje. E eu sofri muito imaginando o seu padecer. Minha vó disse que era como morrer afogado sem ter água.

No sertão de meu tempo tinha os perigos da seca, os perigos do rio e as doenças que atacavam os meninos. Sempre que perguntavam a minha mãe quantos filhos ela teve, ela respondia “tive treze, mais vingaram sete”. E se fui um dos que vingaram no sertão daquele tempo, sou “antes de tudo um forte” euclidiano. Mas hoje me deu saudade dos que não vingaram. De muitos nordestinos que viveram pouco.    

3 comentários:

Anônimo disse...

Meu Prezado e querido amigo Edmar está se reconciliando com Deus e isto é muito bom, pelo menos para mim que sou um aprendiz da fé. Esta sua crônica é maravilhosamente Cristã.
Deus o abençoe!
Chico Salles.

Angela Weingärtner Becker disse...

Que bela descrição da infãncia do sertão´, via doenças infantis!Amei, amei!Como escreves, que coisa!E aqui um aspecto geral
"No sertão, na segunda metade do século XX ainda estávamos no começo do XIX." Parabéns, Edmar!

Moisés disse...

Olá Edmar,
Será que o Chico Salles estar certo? você estar se reconciliando com Deus? pelo que te conheço acho que não! ( não por você ser bom ou mau )mas, como diziam nossas avós: O verdadeiro Deus , estar dentro de nós.
OBS: A vó Bebela brincava: fui pelo um caminho encontrei um bicho com a carne dentro dos ossos, que bicho é esse? e eu ...............
ô menino bôbo, é o caranqueijo, e olha que eu acho que ela não viu o mar.
Moisés Oliveira