domingo, 26 de julho de 2015

Tristeresina


(Edmar Oliveira)
Paulo Tabatinga

Já faz muito tempo que deixei a minha cidade para vir morar noutras paragens. Mas como se agarrado ao cordão umbilical volto lá vez em quando. E venho sentindo como a cidade dos meus anos dourados vem desaparecendo no tempo.

Teresina é a mais velha das jovens capitais desse país. O Conselheiro Saraiva tirou a capital de Oeiras para o entre rios da Chapada do Corisco em 1852. Depois dela veio Aracajú (1855), Belo Horizonte (1898), Goiânia (1937), Boa Vista (1944) e Brasília (1960). Palma, a mais nova invenção do Planalto Central, é de 1989, que aparece junto com o novo estado de Tocantins, que nos separou (e ao Maranhão) do Goiás. Mas para uma cidade, Teresina é uma jovem de 16 anos (163).

Nascida no Largo do Amparo, onde estava a Cadeia, o Palácio do Governo, o Mercado, o Fórum e a Igreja do Amparo, Teresina aparece no cais do rio Parnaíba. E foi concebida em quarteirões de exatos cem metros, de Norte a Sul dividida pela Igreja de São Benedito, desde o encontro das águas até a Tabuleta, bairro que nasceu onde a placa dizia que a cidade começava. Não tinha Oeste. O sol já morria no Maranhão, em Flores. O horizonte do Leste acabava nas águas do rio Poty. A Avenida Circular – muito depois Miguel Rosa – separava o perímetro urbano do suburbano. Mas era esse o plano geográfico quando habitei minha cidade sentimental.

Como muito nova não possuía uma arquitetura colonial, mas uma mistura neoclássica, de art-decó e ecletismo. Os prósperos comerciantes árabes da colonização nordestina deixaram suas marcas em simulacros de minaretes, portais, beirais e quintais com laranjais.

Quando a cidade saltou para o outro lado do rio Poty modernizou-se em prédios e avenidas numa nova urbe e esqueceu a cidade velha. Na cidade antiga ficaram os prédios públicos e o próspero polo comercial da saúde, que recebe uma clientela do interior do Ceará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Tocantins, Pará e até do Suriname. Para abrigar esse polo comercial e de serviços públicos, o que sobrou da zona residencial vem sendo transformado em estacionamentos.

Com a degradação galopante, houve movimentos de preservação do patrimônio arquitetônico com tombamentos de várias construções. Entretanto, o tombamento que funcionava na prática era a “derribada das casa réa”, como se fala por lá. Na calada da noite as casas velhas eram jogadas ao chão e nascia um novo estacionamento. À tardinha, tudo fechado e o patrimônio guardado por segurança privada, já entrega a cidade fantasma para vândalos, desocupados e usuários de drogas. O visitante não encontra na cidade velha um restaurante noturno, ou um lugar onde se possa tomar uma cerveja e conversar como antigamente. Esses hábitos mudaram também para a cidade nova. Mas se na cidade antiga se podia andar a pé, para o deslocamento na cidade nova o carro é necessário. E não existe transporte público em Teresina. Ônibus velhos desconfortáveis e um simulacro de metrô – que não leva a lugar nenhum – não funcionam à noite.

E cada vez que eu ia a Teresina, mais a cidade que eu vivi deixava de existir. Uma vez até me hospedei na cidade nova, mas foi como se não estivesse na minha cidade sentimental.

De repente me chega uma esperança. Um bando de estudantes voluntariosos e preocupados com a memória da cidade ocupa uma casa que estava sendo demolida para ser um estacionamento de uma clínica do polo de saúde. A ganância do médico capitalista nem tentou preservar a residência para fazer confortáveis consultórios. A casa foi condenada para virar um estacionamento dos clientes da sua empresa.


Bravos meninos resistiram. Conseguiram a paralização da demolição. Esta ação deve ser cantada pelos que se preocupam com a memória e com o seu passado. E eu agradeço a estes meninos que estão lutando para a preservação de minha memória, de minha infância, dos meus sentimentos, da minha existência. Quem desiste do passado não conhecerá o futuro. Bravo!    

#vivamadalena 




3 comentários:

Anônimo disse...

"Derribada da casa réa"; eu aqui que sou de outras bandas, fico vendo o jeito de vocês e me encanto com as " falas", com as imagens, enfim...observo outras coisas.

Anônimo disse...

Comentário acima: Lelê

José Pedro Araújo disse...

Dá para imaginar o que sente n cronista.Pois quando cheguei por aqui, em inicio dos anos setenta, a cidade ficava na Mesopotâmia formada pelos rios Poti e Parnaíba. Hoje só se vai pra lá a negócios. Teresina mudou de lugar. Mudou com o tempo. E não para melhor, disso tenho certeza.