Trilhas e inscrições rupestres |
(Edmar Oliveira)
Sou um dos poucos piauienses que conhece a Serra da Capivara
e o trabalho de Niéde Guidon. Faz alguns anos que viajei quase seiscentos quilômetros
de Teresina ao fundo do sertão. A caatinga com sua vegetação acinzentada por
falta de chuva ficou na minha lembrança naquele sertão pouco habitado. Até para
se comprar água na beira da estrada foi uma dificuldade. Não há quase nada numa
região onde o homem ainda teima em viver. Pois foi num sítio no meio do nada que
Niéde Guidon encontrou vestígios do primeiro homem na América.
Nos arredores do sítio arqueológico havia um hotel simples,
pertencente ao governo do Estado do Piauí, no qual ficamos hospedados. Para a
visitação do parque contratamos um guia e fizemos uma caminhada por trilhas e
passarelas bem cuidadas, onde se podem observar as inscrições rupestres como a
documentação da passagem do homem pré-histórico naquelas paragens. Além dos
vários sítios arqueológicos, as marcas da erosão na serra e seus estranhos
contornos são uma atração à parte. Deslumbrante foi conhecer o Museu do Homem
Americano, uma sensacional construção, toda climatizada e confortável, com os
melhores recursos audiovisuais, que nos conta a tese de Niéde sobre a sua
descoberta. Urnas mortuárias, vestígios de cerâmica e fogueiras pré-históricas
nos olham como se estivéssemos num passado longínquo.
A tese da Doutora, como é carinhosamente tratada pelos
funcionários, é que o nosso antepassado nativo não veio pelo estreito de
Bering, mas pelo mar do Pacífico, quando esse mar era mais povoado de ilhas. E
ela provou com a datação do carbono 14 que o nosso homem chegou antes do
americano do norte e isso tem irritado os ianques, que defendem a tese de que o
homem só chegou por Bering. Mas que o nosso índio se parece mais aos asiáticos
que ao índio americano, é fato.
Um outro grande trabalho da doutora foi transformar
extrativistas e caçadores, que ameaçavam a preservação do sítio arqueológico,
em guias turísticos e ceramistas com motivos pré-históricos. Essa cerâmica,
além de ter comprado, encontrei outro dia numa elegante pousada de Paraty, que
ainda revendia a cerâmica da Serra da Capivara para turistas e divulgava o
trabalho de Niéde. Há mais de vinte anos Niéde luta para a construção de um
aeroporto, que possibilite a vinda de mais turistas, inclusive do Piauí, para a
Serra da Capivara. O aeroporto até foi feito, aos troncos e barrancos, mas
nunca inaugurado. Permanece como obra fantasma, mais uma por esse imenso país.
O aeroporto mais próximo fica em Petrolina, Pernambuco, distante longe
trezentos quilômetros.
Pois bem, depois de quarenta anos de incansável trabalho,
mais de trinta mil pinturas rupestres catalogadas, leio nos jornais do Rio de
Janeiro que Niéde Guidon joga a toalha. A Fundação Museu do Homem Americano
fechará suas portas por falta de recursos. De quase trezentos funcionários,
restam cinquenta. Os recursos vinham do governo federal e uma grande parte de
empresas privadas e públicas, das quais a Petrobras era um importante
mantenedor.
Pensei com meus botões, o propinoduto do petrolhão roubou
até a Serra da Capivara! Um empresário delator confessou ter pagado dez milhões
de dólares a Eduardo Cunha. Só o que foi dado a um ladrão da Petrobrás sustentaria
o trabalho de Niéde por quase vinte anos!
Que diabos de país é esse que pode deixar um trabalho ímpar
no planeta ser ameaçado como está sendo ameaçado esse patrimônio da humanidade?
Cerâmica atual com motivos rupestres |
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