domingo, 26 de julho de 2015

Serra da Capivara

Trilhas e inscrições rupestres

(Edmar Oliveira)

Sou um dos poucos piauienses que conhece a Serra da Capivara e o trabalho de Niéde Guidon. Faz alguns anos que viajei quase seiscentos quilômetros de Teresina ao fundo do sertão. A caatinga com sua vegetação acinzentada por falta de chuva ficou na minha lembrança naquele sertão pouco habitado. Até para se comprar água na beira da estrada foi uma dificuldade. Não há quase nada numa região onde o homem ainda teima em viver. Pois foi num sítio no meio do nada que Niéde Guidon encontrou vestígios do primeiro homem na América.

Nos arredores do sítio arqueológico havia um hotel simples, pertencente ao governo do Estado do Piauí, no qual ficamos hospedados. Para a visitação do parque contratamos um guia e fizemos uma caminhada por trilhas e passarelas bem cuidadas, onde se podem observar as inscrições rupestres como a documentação da passagem do homem pré-histórico naquelas paragens. Além dos vários sítios arqueológicos, as marcas da erosão na serra e seus estranhos contornos são uma atração à parte. Deslumbrante foi conhecer o Museu do Homem Americano, uma sensacional construção, toda climatizada e confortável, com os melhores recursos audiovisuais, que nos conta a tese de Niéde sobre a sua descoberta. Urnas mortuárias, vestígios de cerâmica e fogueiras pré-históricas nos olham como se estivéssemos num passado longínquo.
 
Museu do Homem Americano
A tese da Doutora, como é carinhosamente tratada pelos funcionários, é que o nosso antepassado nativo não veio pelo estreito de Bering, mas pelo mar do Pacífico, quando esse mar era mais povoado de ilhas. E ela provou com a datação do carbono 14 que o nosso homem chegou antes do americano do norte e isso tem irritado os ianques, que defendem a tese de que o homem só chegou por Bering. Mas que o nosso índio se parece mais aos asiáticos que ao índio americano, é fato.

Um outro grande trabalho da doutora foi transformar extrativistas e caçadores, que ameaçavam a preservação do sítio arqueológico, em guias turísticos e ceramistas com motivos pré-históricos. Essa cerâmica, além de ter comprado, encontrei outro dia numa elegante pousada de Paraty, que ainda revendia a cerâmica da Serra da Capivara para turistas e divulgava o trabalho de Niéde. Há mais de vinte anos Niéde luta para a construção de um aeroporto, que possibilite a vinda de mais turistas, inclusive do Piauí, para a Serra da Capivara. O aeroporto até foi feito, aos troncos e barrancos, mas nunca inaugurado. Permanece como obra fantasma, mais uma por esse imenso país. O aeroporto mais próximo fica em Petrolina, Pernambuco, distante longe trezentos quilômetros.

Pois bem, depois de quarenta anos de incansável trabalho, mais de trinta mil pinturas rupestres catalogadas, leio nos jornais do Rio de Janeiro que Niéde Guidon joga a toalha. A Fundação Museu do Homem Americano fechará suas portas por falta de recursos. De quase trezentos funcionários, restam cinquenta. Os recursos vinham do governo federal e uma grande parte de empresas privadas e públicas, das quais a Petrobras era um importante mantenedor.

Pensei com meus botões, o propinoduto do petrolhão roubou até a Serra da Capivara! Um empresário delator confessou ter pagado dez milhões de dólares a Eduardo Cunha. Só o que foi dado a um ladrão da Petrobrás sustentaria o trabalho de Niéde por quase vinte anos!


Que diabos de país é esse que pode deixar um trabalho ímpar no planeta ser ameaçado como está sendo ameaçado esse patrimônio da humanidade? 


Cerâmica atual com motivos rupestres





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