(Edmar Oliveira)
Paulo Tabatinga |
Já faz muito tempo que deixei a minha cidade para vir morar
noutras paragens. Mas como se agarrado ao cordão umbilical volto lá vez em
quando. E venho sentindo como a cidade dos meus anos dourados vem desaparecendo
no tempo.
Teresina é a mais velha das jovens capitais desse país. O
Conselheiro Saraiva tirou a capital de Oeiras para o entre rios da Chapada do
Corisco em 1852. Depois dela veio Aracajú (1855), Belo Horizonte (1898),
Goiânia (1937), Boa Vista (1944) e Brasília (1960). Palma, a mais nova invenção
do Planalto Central, é de 1989, que aparece junto com o novo estado de
Tocantins, que nos separou (e ao Maranhão) do Goiás. Mas para uma cidade,
Teresina é uma jovem de 16 anos (163).
Nascida no Largo do Amparo, onde estava a Cadeia, o Palácio
do Governo, o Mercado, o Fórum e a Igreja do Amparo, Teresina aparece no cais
do rio Parnaíba. E foi concebida em quarteirões de exatos cem metros, de Norte
a Sul dividida pela Igreja de São Benedito, desde o encontro das águas até a
Tabuleta, bairro que nasceu onde a placa dizia que a cidade começava. Não tinha
Oeste. O sol já morria no Maranhão, em Flores. O horizonte do Leste acabava nas
águas do rio Poty. A Avenida Circular – muito depois Miguel Rosa – separava o
perímetro urbano do suburbano. Mas era esse o plano geográfico quando habitei
minha cidade sentimental.
Como muito nova não possuía uma arquitetura colonial, mas
uma mistura neoclássica, de art-decó e ecletismo. Os prósperos comerciantes
árabes da colonização nordestina deixaram suas marcas em simulacros de minaretes,
portais, beirais e quintais com laranjais.
Quando a cidade saltou para o outro lado do rio Poty
modernizou-se em prédios e avenidas numa nova urbe e esqueceu a cidade velha.
Na cidade antiga ficaram os prédios públicos e o próspero polo comercial da
saúde, que recebe uma clientela do interior do Ceará, Maranhão, Pernambuco,
Bahia, Tocantins, Pará e até do Suriname. Para abrigar esse polo comercial e de
serviços públicos, o que sobrou da zona residencial vem sendo transformado em
estacionamentos.
Com a degradação galopante, houve movimentos de preservação do
patrimônio arquitetônico com tombamentos de várias construções. Entretanto, o
tombamento que funcionava na prática era a “derribada
das casa réa”, como se fala por lá. Na calada da noite as casas velhas eram
jogadas ao chão e nascia um novo estacionamento. À tardinha, tudo fechado e o
patrimônio guardado por segurança privada, já entrega a cidade fantasma para
vândalos, desocupados e usuários de drogas. O visitante não encontra na cidade
velha um restaurante noturno, ou um lugar onde se possa tomar uma cerveja e
conversar como antigamente. Esses hábitos mudaram também para a cidade nova. Mas
se na cidade antiga se podia andar a pé, para o deslocamento na cidade nova o
carro é necessário. E não existe transporte público em Teresina. Ônibus velhos
desconfortáveis e um simulacro de metrô – que não leva a lugar nenhum – não funcionam
à noite.
E cada vez que eu ia a Teresina, mais a cidade que eu vivi
deixava de existir. Uma vez até me hospedei na cidade nova, mas foi como se não
estivesse na minha cidade sentimental.
De repente me chega uma esperança. Um bando de estudantes
voluntariosos e preocupados com a memória da cidade ocupa uma casa que estava
sendo demolida para ser um estacionamento de uma clínica do polo de saúde. A
ganância do médico capitalista nem tentou preservar a residência para fazer
confortáveis consultórios. A casa foi condenada para virar um estacionamento
dos clientes da sua empresa.
Bravos meninos resistiram. Conseguiram a paralização da
demolição. Esta ação deve ser cantada pelos que se preocupam com a memória e
com o seu passado. E eu agradeço a estes meninos que estão lutando para a preservação
de minha memória, de minha infância, dos meus sentimentos, da minha existência.
Quem desiste do passado não conhecerá o futuro. Bravo!
#vivamadalena
3 comentários:
"Derribada da casa réa"; eu aqui que sou de outras bandas, fico vendo o jeito de vocês e me encanto com as " falas", com as imagens, enfim...observo outras coisas.
Comentário acima: Lelê
Dá para imaginar o que sente n cronista.Pois quando cheguei por aqui, em inicio dos anos setenta, a cidade ficava na Mesopotâmia formada pelos rios Poti e Parnaíba. Hoje só se vai pra lá a negócios. Teresina mudou de lugar. Mudou com o tempo. E não para melhor, disso tenho certeza.
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