domingo, 26 de julho de 2015

Café

(Geraldo Borges)

Quando eu era menino, lembro-me muito bem que para tomarmos café em nossa casa  minha mãe tinha que torrar os  graus que meu pai trazia da  cidade. O cheiro do café torrado era uma delicia. Depois de torrado era pisado, pisado mesmo. Pois no interior não havia moinho. Socava-se o café num pilão de madeira. Adquirido a duras penas o pó do café, agora, era fazer a bebida tão querida que  tornou   nosso país, de certa forma,   conhecido no exterior.

O café faz parte da cortesia do dono da casa. Quem fazia uma visita a um parente ou a um vizinho não ia embora antes de tomar um cafezinho quente. Existem xícaras adequadas para o cafezinho, com o seu respectivo pires.

Minha mãe usava um coador de pano armado em uma forquilha  de metal, jogava o café dentro e, depois, água quente fervendo, o café caia direto em um bule azul de esmalte e de bico comprido. Era levado para  cima  da mesa, onde cumpria a sua função. Minha mãe adoçava o café. E assim éramos iniciados em duas drogas legais, o açúcar e a cafeína.

 Vi pessoas que faziam café de modo diferente. Ferviam,  e depois passavam no coador. Para o entendidos em café isto não era bom, desgastava a qualidade do moca. O tempo foi passando e a minha vida inteira tomando café; esse era um vicio solidário em minha família. Café de manha, cafezinho nos intervalos do trabalho, café depois do almoço, café no jantar.  

Quando chegamos à cidade, conhecemos o café torrado, em pó, vendido em pacote nas  padarias. Quando a gente ia comprar  eles torravam na hora. Junto com o café moído em pacote, apareceu o nescafé. Muito pratico, de sabor um pouco diferente do  café caseiro, doméstico. Bastava jogar uma colher, duas colheres de pó dentro da xícara e entornar água quente, como  se faz chá e estava pronto o nescafé. Rápido como exige a sociedade moderna. Eu nunca me adaptei ao nescafé. Nunca tive pressa. Com o tempo fui observando a tecnologia do café que se enriqueceu de variedades. Temos deliciosas balas de café, e provadores de café. Há ambientes construídos apenas para servir café, para se bater papo e filosofar. Em Paris existe um ambiente chamado café filosófico, onde se debate temas modernos. Hoje o café é produzido em cafeteiras elétricas com  alto grau de sofisticação para os bebedores apressados que tomam café em pé ao pé da balcão. Alguns deles ainda pensam no cigarro, um velho acompanhante após a degustação da rubiácea.

O Brasil já não é  o  maior produtor de café do mundo, já não possuía mais a política do café com leite. Mas, manteve o seu folclore, criou uma cultura, uma Semana de arte moderna a custa da economia do café; quem não se lembra dos barões do café, e de ramos de café em nossos brasões?

Meus ocasionais leitores, com licença, vou fazer uma pausa para o café e  um  cigarro. Coisa antiga, de um velho cronista viciado. E para isso eu mesmo vou ter que  passar o meu cafezinho.

Só que, agora, não faço, como minha mãe fazia, num coador de pano, e sim num coador de papel, descartável, que coloco dentro de um suporte de plástico e que acoplo direto na garrafa térmica japonesa  comprada no Paraguai. E rápido. Eficiente. E deste método não abro mão. Preparo o meu café como um religioso que pratica um ritual  para exorcizar a preguiça, e ficar disposto para enfrentar o dia. O Brasil ainda é tocado à café; café de segunda classe, grãos não selecionados, misturados com outras sementes. O bom vai para o exterior. O ruim fica para o funcionário publico tomar para ter combustível para tocar o serviço burocrático, desmantelado O planalto deve estar cheio de servidores de café.


O meu café está pronto. Amargo. Agora tomo café amargo, sem a cumplicidade do açúcar. Um novo sabor. Uma nova cultura sem o vício do adoçante. 

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