(Geraldo Borges)
Quando eu era menino, lembro-me muito bem que para tomarmos
café em nossa casa minha mãe tinha que
torrar os graus que meu pai trazia da cidade. O cheiro do café torrado era uma
delicia. Depois de torrado era pisado, pisado mesmo. Pois no interior não havia
moinho. Socava-se o café num pilão de madeira. Adquirido a duras penas o pó do
café, agora, era fazer a bebida tão querida que
tornou nosso país, de certa forma, conhecido no exterior.
O café faz parte da cortesia do dono da casa. Quem fazia uma
visita a um parente ou a um vizinho não ia embora antes de tomar um cafezinho
quente. Existem xícaras adequadas para o cafezinho, com o seu respectivo pires.
Minha mãe usava um coador de pano armado em uma
forquilha de metal, jogava o café dentro
e, depois, água quente fervendo, o café caia direto em um bule azul de esmalte
e de bico comprido. Era levado para cima
da mesa, onde cumpria a sua função. Minha
mãe adoçava o café. E assim éramos iniciados em duas drogas legais, o açúcar e
a cafeína.
Vi pessoas que faziam
café de modo diferente. Ferviam, e
depois passavam no coador. Para o entendidos em café isto não era bom,
desgastava a qualidade do moca. O tempo foi passando e a minha vida inteira
tomando café; esse era um vicio solidário em minha família. Café de manha,
cafezinho nos intervalos do trabalho, café depois do almoço, café no jantar.
Quando chegamos à cidade,
conhecemos o café torrado, em pó, vendido em pacote nas padarias. Quando a gente ia comprar eles torravam na hora. Junto com o café moído
em pacote, apareceu o nescafé. Muito pratico, de sabor um pouco diferente
do café caseiro, doméstico. Bastava
jogar uma colher, duas colheres de pó dentro da xícara e entornar água quente,
como se faz chá e estava pronto o
nescafé. Rápido como exige a sociedade moderna. Eu nunca me adaptei ao nescafé.
Nunca tive pressa. Com o tempo fui observando a tecnologia do café que se
enriqueceu de variedades. Temos deliciosas balas de café, e provadores de café.
Há ambientes construídos apenas para servir café, para se bater papo e
filosofar. Em Paris existe um ambiente chamado café filosófico, onde se debate
temas modernos. Hoje o café é produzido em cafeteiras elétricas com alto grau de sofisticação para os bebedores
apressados que tomam café em pé ao pé da balcão. Alguns deles ainda pensam no
cigarro, um velho acompanhante após a degustação da rubiácea.
O Brasil já não é o maior
produtor de café do mundo, já não possuía mais a política do café com leite.
Mas, manteve o seu folclore, criou uma cultura, uma Semana de arte moderna a
custa da economia do café; quem não se lembra dos barões do café, e de ramos de
café em nossos brasões?
Meus ocasionais leitores, com licença, vou fazer uma pausa
para o café e um cigarro. Coisa antiga, de um velho cronista
viciado. E para isso eu mesmo vou ter que
passar o meu cafezinho.
Só que, agora, não faço, como minha mãe fazia, num coador de
pano, e sim num coador de papel, descartável, que coloco dentro de um suporte
de plástico e que acoplo direto na garrafa térmica japonesa comprada no Paraguai. E rápido. Eficiente. E
deste método não abro mão. Preparo o meu café como um religioso que pratica um
ritual para exorcizar a preguiça, e
ficar disposto para enfrentar o dia. O Brasil ainda é tocado à café; café de
segunda classe, grãos não selecionados, misturados com outras sementes. O bom
vai para o exterior. O ruim fica para o funcionário publico tomar para ter combustível
para tocar o serviço burocrático, desmantelado O planalto deve estar cheio de
servidores de café.
O meu café está pronto. Amargo. Agora tomo café amargo, sem
a cumplicidade do açúcar. Um novo sabor. Uma nova cultura sem o vício do
adoçante.
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