(Edmar Oliveira)
Ainda escrevo sob o peso da emoção misturada à indignação.
Porque não tolero a intolerância. E muito preocupado com as apressadas
interpretações sobre o atentado da intolerância islâmica radical contra os
cartunistas que usavam lápis e pincéis como armas do humor crítico. De um lado
surgem opiniões de que os cartunistas eram desrespeitosos à fé islâmica. Estes
se escudam no medo, na censura ao humor, na covardia opiniosa para justificar a
injustificável resposta terrorista aos pincéis. Outros acusam a invasão muçulmana
à Europa como intolerante com liberdade de imprensa. Estes municiam a direita
xenófoba.
Aos primeiros, o diretor do semanário Charlie Hebdo,
cartunista Charb, assassinado no
atentado, já tinha respondido premonitoriamente. Ao ser perguntado, numa antiga
entrevista, se não tinha medo de ser morto por publicar as charges radicais foi
incisivo: “prefiro morrer de pé a viver como um rato”. Aos segundos ele não
hesitaria em dizer, se pudesse, que a direita francesa era também inimiga das
charges do jornal e que estaria usando seu cadáver e de seus companheiros para
atacar os refugiados muçulmanos, esses também perseguidos pela intolerância
radical islâmica nas suas terras.
No calor das emoções não foi a direita francesa, que sempre
está nas ruas contra a “invasão muçulmana”, que protestou após o atentado. Foi
a esquerda francesa, em defesa do Charlie Hebdo. Porque a direita também queria
o atentado por ser tão intolerante às críticas quanto os radicais islâmicos. Mas
não hesitará em usá-lo para praticar a sua xenofobia. E deformar as razões do
atentado à intolerância aos valores do ocidente. Esta é uma visão tosca e
deformada.
Não há valores do ocidente contra radicalismo religioso
oriental. Os cartunistas da Charlie Hebdo – Charb, Wolinki, Cabu, Tignous –
entre outros, atacavam a direita e o uso das religiões (do deus de Abraão, do
Cristo, de Alá ou Maomé) que disparavam a intolerância fundamentalista. A
posição editorial da Hebdo é de esquerda. E nesse polo o humor solicita, às
vezes, o anarquismo para exercer sua crítica que deve ser ácida e intolerante
com a intolerância. Única intolerância permitida numa democracia. Não podemos
tolerar a intolerância. Charb dizia que o islamismo tinha que ser dessacralizado,
como já acontece com o catolicismo, sob pena de o “sagrado” respaldar o
fascismo islâmico.
Também é inaceitável os argumentos religiosos de que Charlie Hebdo “pegava pesado” com o
sagrado das religiões. A posição do semanário era ateia. E o ateu tem o direito
de duvidar do sagrado para afirmar suas convicções. O ateu deve também ser
respeitado na democracia e tem o direito a livre manifestação. Livre
manifestação que deve ser tão sagrada como a vaca hindu, a maconha do
jamaicano, a santíssima trindade com pomba do divino cristão, o inominável deus
de Abraão único, o profeta Maomé e o Alcorão. Cada um com seu sagrado. E o do
ateu é não ter nenhum, a não ser o livre arbítrio. E eu posso achar ridícula a vaca indu, a pomba do catolicismo, a destemperança evangélica, o povo eleito que é racista com o resto da humanidade, alguns barbarismos do alcorão. Não me leia, como não vou na sua igreja. Se acha que o que escrevi ou desenhei lhe ofende, me processe. Mas você não tem o direito a me matar ou justificar a minha morte por minha culpa, minha máxima culpa.
Foi um massacre onde a vítima é a democracia. Os fascistas
podem ser cristãos, judeus, muçulmanos, ateus. Eles pregam a não existência de
um grupo, uma etnia, uma religião, um povo. São fascistas os fundamentalistas
que massacraram os cartunistas, é fascista o partido da direita francesa que
quer expulsar os muçulmanos da França. Os primeiros hoje foram eliminados, os muçulmanos
podem ser as vítimas de amanhã. E não pode haver um raciocínio simplista que
alimente o ódio.
Se eu acho uma charge de mau gosto, acho que me ofende até,
tenho que ter a tolerância democrática. Não poso ser intolerante com o que não
gosto. Isto é o centro da questão. A democracia só existe na tolerância
extrema. Pode ser superada um dia, mas não pelo o atraso do sagrado muçulmano.
Os cartunistas franceses perderam a vida para a intolerância. Isto sim, tem que
ser intolerável. E não pode ser tolerado ou justificado mesmo por quem não
gosta da sua linha editorial, dos seus satíricos desenhos, sob pena da vítima
ser a culpada...
Também não foi a cultura muçulmana na Europa que atacou com
intolerância os cartunistas franceses. Foi o fascismo islâmico e não o povo que vem sendo perseguido por este
fascismo na sua pátria.
E tem direita e tem esquerda. A intensão de acabar essa
polarização é da direita. Para que ela possa exercer o seu fascismo com
xenofobia, racismo, ataque aos costumes muçulmanos, usando, inclusive, os cadáveres
dos cartunistas assassinados.
Esse o perigo que o mundo corre.
2 comentários:
É isso que você postou. Tal como afirmou certa vez o geógrafo baiano Milton Santos:
“A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une.”
"Meu prezado amigo Edmar, ser ateu para para mim é ser sábio e intelectual. É a pessoa que mais se aproxima da razão e da lógica. Por isso tanto admiro. Por ser o que eu não consegui, devido a minha origem, formação e a pouca sabedoria. Mas,nunca pensei existir ateu militante e radical. Ateu de plantão, patrulhando as religiões. Como católico e leitor assíduo deste qualificado Blog, venho aqui repercutir este seu texto de hoje. Chico Salles.
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