(Edmar Oliveira)
O sujeito era tão intenso que uma crônica ou duas não dão conta da sua peregrinação num destino que carregava cravado no umbigo. Sua
história nos quadrinhos e no desenho animado deixou herdeiros que reconhecem a
filiação e uma tese de mestrado faz uma análise do seu lado marginal à
marginalidade.
Fizemos um jornal na década de 1970, que circulou apenas
duas vezes, mas nomeou uma geração: “Gramma”. E as duas capas eram dele. A do
número um, aqui reproduzida, é uma obra prima. No nome Gramma detalhes podem
ser acompanhados com uma lupa de cenas proibidas na nudez com erotismo digno de
um Wolinski. Entre às cenas de sexo, o coração de Jesus pende do meio do
primeiro M com a inscrição blasfêmica “o coração de Jesus era de pedra” e na
última perna desse primeiro M a própria face do Cristo contrasta com o inferno
que queima a lascívia do outro M. Mas no conjunto das letras o mal parece
vencer o bem da religião. As outras letras parecem vencer o M do Cristo, mas é
nele que se pode ler “a maior curtição”. O desenho central parece um autorretrato
que arranca o coração do peito num rasgo tão grande que expõe as vísceras abdominais
de forma chocante. Singelas flores emolduram o quadro.
Essa capa faz prescindir o conteúdo do jornal na temporalidade.
É o que fica. É a transgressão que nos representa, toda uma geração, num
desenho dele. Na mesma época era fundado o Charlie Hebdo na França, e aqui na
terra “O Pasquim” já era reconhecido por dialogar com a contracultura. Era no
desenho do Arnaldo que nós gritávamos, no estado mais atrasado da federação
brasileira, que o sertão entrava no cenário da contracultura.
E ele continuou desenhando. Emplacou alguns cartuns n’O
Pasquim. Fez ilustrações para livros de contos, como as que publicamos aqui. No
traço a violência e o erotismo. Duas formas de protestos incontestes.
Mas foi agora, já depois de sua morte, que tomei
conhecimento, pela internet, de um grande e futurista desenho. Um felizardo
declara que ganhou o desenho do próprio Arnaldo em 1982. Em um cenário
futurista, que lembra Metrópolis do Fritz Lang, prédios de Teresina e Timon
(cidade fronteiriça do Maranhão) fazem um paredão às margens do Rio Parnaíba. O
leito do rio secou e um fiapo de esgoto corre por baixo da Ponte Metálica
(símbolo da cidade, quando ainda não tinha a ponte estaiada). Premonição do
artista?
Depois silenciou. Parecia que a obra tinha ficado pronta. Só
caminhava de casa para o botequim do meio do quarteirão. Tomava uma ou duas
pingas. Bastavam. E o caleidoscópio do artista girava num mundo que ele não
quis habitar por ter sempre se mantido à margem. Ele só saiu do nosso campo
visual, mas continua à margem. Agora na terceira margem do rio, como no conto
do Guimarães Rosa.
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