(Edmar Oliveira)
Me
lembro hoje da minha aldeia naquele começo de mundo. Começo pra mim, que estava
construindo minha passagem na vastidão do planeta. A pequena cidade se
desmanchava nas margens do Parnaíba. Rio manso, vindo de um mundo escondido no
interior do Goiás, e indo se derramar num oceano que eu não imaginava como era
e nunca foi igual ao vir a ser. E aquele rio calmo que passava em meu quintal
tinha o remanso, a pororoca, a arraia, a Iara, o Cabeça de Cuia e todos os
perigos que suas águas carregavam no seu vagar preguiçoso. E, escapando destes
perigos na travessia, a Tresidela se apresentava ainda mais medonha. Tresidela
era a outra margem, do lado de lá, uma outra terra, onde habitavam os mouros
das lendas que minha avó contava...
Os
mouros atravessaram o Atlântico nos medos dos portugueses e se refugiaram nas
matas do Maranhão para ameaçarem a imaginação de um menino que delirava na
beira do rio. Por certo que os mosquitos do fim do dia transportavam a malária
que tornavam os mouros mais valentes e furiosos, com seus cavalos enfeitados de
papel-de-seda e suas lanças de talo do coqueiro sangrando minhas primeiras
memórias. Mas não podia esquecer a princesa, que tinha que ser salva e era a
professora do colégio, ali tão frágil e sensível ao amor daquele menino que
havia de vencer os infiéis...
Por
que me coloco nestas lembranças? É que o planeta amiudou. Os conflitos em toda
parte me dão medo, mais que o rio e seus perigos. E também já não tenho certeza
de quem são os infiéis ou se os mouros são os inimigos. Não tem mais o outro
lado da Tresidela. É tudo meio confuso aqui, ali, acolá... Sinto saudade de
quando as coisas eram mais firmes. Sinto saudade de quando meu mundo era menor,
ali na beira do rio. Naquele pedaço pequeno as possibilidades eram infinitas.
Aqui na imensidão do planeta globalizado a esperança é quase um nada...
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crônica publicada originalmente em 20/03/2008
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