(Luíz Horácio)
Maior e menor são dois conceitos que
aparecem na década de setenta no texto deleuziano e logo invadem as análises,
sejam elas estéticas, linguistocas, políticas, etc.... Esses conceitos passaram
a acompanham outras duplas conceituais,
estático/ dinâmico, dominante/ dominado, senhor/escravo. Mas é com os
conceitos maior e menor que Deleuze
pretende explicar a maneira como as normas sociais , culturais e políticas
surgem, se estabelecem ou se transformam.
Literatura menor, conceito
utilizado por Deleuze e Guattari, era frequentemente empregado por Kafka que
costumava definir sua obra como literatura “menor”.
Deleuze e Guattari
examinam o que vem a ser “menor”. Uma literatura menor não é aquela oriunda de
uma língua menor, mas aquela que uma minoria, praticante de uma língua maior, é
capaz de produzir.
É justamente no
terceiro capítulo, O que é uma literatura menor, que o conceito
começa a ser examinado. É apresentado ao
leitor os conceitos de desterriotorialização e devir, ferramentas corriqueiras
nas mãos de Deleuze e Guattari.
Vários aspectos
acompanham a dita “literatura menor”, entre eles o político representado por
aqueles que vivem a praticar uma língua que não é sua língua materna, imigrados
devido aos mais diversos motivos, servem como exemplo.
Kafka- Por uma literatura menor exige
paciência, dedicação e relativo conhecimento de obras de Deleuze e Guattari, e
do próprio Kafka. A leitura isolado do livro em questão pode resultar
incompleta. Repare, estudioso leitor. Kafka- Por uma literatura menor, aborda
três níveis teóricos. Anteriormente estudados na obra Mil platôs.
1-sóciolinguistico,
aqui se encontra o material linguistico do qual Kafka dispunha na Praga do
início do sec. XX.
2-estilístico- onde
percebemos o resultado do trabalho de Kafka com aquele material.
3-político,
reune os dois níveis anteriores para avaliar a forma como o processo kafkiano
produz novos efeitos semióticos e permite nova perspectiva acerca do campo
social.
Mas fiquemos com a situação linguística,
por questão de tempo e espaço. Situações de bilinguismo ou de multilinguismo.
Deleuze, particularmente, sempre demonstrou interesse por escritores bilingues:
Samuel Beckett, irlandês , escrevia em francês; Franz Kafka, judeu praguense,
escreveu em alemão.
A essa altura o leitor é praticamente
convencido a ver o bilinguismo como um
pré-requisito para uma literatura menor. No entanto, Deleuze argumenta que o
bilinguismo "nos coloca no caminho" de um conceito de
"literatura menor", mas, enfatiza; somente no caminho. Esta função do
bilinguismo e sua restrição imediata deve ser
entendida como uma função da problematização, deve ser avaliada em um
nível prático e num nível teórico.
Vejamos o nível prático. A
peculiaridade da situação de Kafka frente as condições sociolinguisticas de
Praga no início do séc. XX. A coexistência de uma parte que utilizava a língua
alemã, idioma oficial, dos negócios, das universidades; a língua vernacular, o
tcheco, maioria da população; e o yiddish, usado por parte da população judia.
Deleuze et Guattari apresentam Franz Kafka
como um modelo dessa literatura dita
menor. No entanto, embora farta
documentação rumo a esse objetivo, desprezam certas peculiaridades que à
época rondavam Praga e obviamente Kafka, entre elas as características do gueto
onde viviam os judeus de Praga,
acrescente a precariedade do alemão falado por tal comunidade.
Kafka - Por uma Literatura Menor
é uma obra de referência para quem deseja estudar a obra de Franz Kafka.
TRECHO
A Carta ao pai, sobre a qual se apoiam as tristes
interpretações psicanalíticas, é um retrato, uma foto, imiscuída em uma máquina
de uma espécie totalmente outra. O pai de cabeça curvada...: não somente porque
ele próprio é culpado, mas porque torna o filho culpado, e não cessa de julgá-lo.
Tudo é culpa do pai: se tenho distúrbios de sexualidade, se não consigo me
casar, se escrevo, se não posso escrever, se abaixo a cabeça nesse mundo, se
tive que construir um outro mundo infinitamente desértico. Ela é, no entanto,
muito tardia, essa carta. Kafka sabe perfeitamente que nada disso tudo é
verdade: sua inaptidão para o casamento, sua escrita, a atração de seu mundo
desértico intenso têm motivações perfeitamente positivas do ponto de vista da
libido, e não são reações derivadas de uma conexão com o pai. Ele o dirá mil
vezes, e Max Brod evocará a fraqueza de uma interpretação edipiana dos
conflitos, mesmo infantis. Contudo, o interesse da carta está em um certo
deslizamento: Kafka passa de um Édipo clássico tipo neurótico, em que o pai bem-amado
é odiado, acusado, declarado culpado, a um Édipo bem mais perverso, que se
reverte na hipótese de uma inocência do pai, de uma “aflição” comum ao pai e ao
filho, mas para dar lugar a uma acusação em enésimo grau, a uma reprovação
tanto mais forte quanto se torna inassinalável e ilimitada (como a “moratória”
do Processo) através de uma série de operações paranóicas. Kafka o sente tão
bem que dá a palavra ao pai na imaginação, e lhe faz dizer: você quer de-monstrar
“primeiramente que você é inocente, em segundo lugar, que sou culpado, e em
terceiro lugar, que, por pura generosidade você está disposto não somente a me
perdoar, mas, ainda, o que é ao mesmo tempo mais e menos, a provar e a crer
você mesmo, ao encontro da verdade de outro lugar, que sou igualmente
inocente”. Esse deslizamento perverso, que extrai da inocência suposta do pai
uma acusação ainda pior, tem, evidentemente, uma meta, um efeito e um
procedimento.
AUTORES
Gilles Deleuze ( 1925 - 1995) foi um
dos mais influentes filósofos franceses do século XX. Depois de ensinar
filosofia na Sorbonne e na Universidade de Lyon, foram os cursos de Vincennes
que o tornaram célebre.Pensador da imanência, escreveu livros que marcaram
época, como Lógica
do sentido e Diferença e repetição; publicou diversos
estudos sobre filósofos, como Hume, Espinosa, Nietzsche e Bergson, e sobre
artistas, como Prouste Francis Bacon.
Félix Guattari ( 1930 - 1992) foi um
filósofo, militante político e psicanalista francês, tendo sido aluno e
paciente de Jacques Lacan, antes de romper com ele. Inventor da esquizoanálise,
clinicou durante muitos anos na célebre clínica La Borde. Publicou notadamente Revolução molecular: pulsações
políticas do desejo e O inconsciente maquínico: ensaios de esquizoanálise.
TRADUTORA
Cíntia
Vieira da Silva é professora adjunta no Departamento de Filosofia e no Programa
de Mestrado em Estética e Filosofia da Arte da Universidade Federal de Ouro
Preto (UFOP). Doutora em Filosofia pela Unicamp, com estágio de pesquisa na
École Normale Supérieure, em Lyon ( França ), é coeditora da revista Alegrar e
autora de Corpo e
pensamento: alianças conceituais entre Deleuze e Espinosa
(2007)
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