(Edmar Oliveira)
1000TON |
Pra zona sul do Rio de Janeiro ser a cidade maravilhosa, uma
cortina é colocada nas bocas dos túneis para esconder a cidade real. A cidade
real para além-túnel tem o abandono das comunidades carentes à própria sorte,
onde o Estado não põe os pés e lava as mãos. E são várias cidades não
maravilhosas nas mãos do tráfico ou das milícias. As UPPs (Unidade de Polícia
Pacificadora) tão elogiadas nas comunidades do entorno da cidade maravilhosa
não funciona como aqui nas cidades mafiosas. A aparente pacificação de lá longe
das vistas dos turistas não acontece como em Dona Marta, no Chapéu Mangueira,
no Cantagalo. Pra lá de acolá a paz é aparente, as comunidades são vigiadas
pelas UPPs para que o tráfico, sob controle, não escape do seu território. E
pior sorte tem as comunidades dominadas por milicianos e aí eles crescem na
zona oeste e subúrbio como uma chaga que já controla a vida de quase trezentos
mil habitantes nas contas de “O Globo”.
A milícia nasceu no Rio com a cumplicidade do poder público.
Um antigo prefeito dizia que elas eram um mal necessário para livrar os
moradores do tráfico, onde o braço do estado não alcançava. Virou um bico para
policiais que servem ao estado e cresceu tanto que mantem um braço político no
poder judiciário e entranhado na máquina pública. Apesar de serem presos
Gerominhos, Natalinos e outros deputados e vereadores, eles ainda se fazem
representar nos brasões e bombeiros que dominam comunidade que os tem como
donos. Conjuntos habitacionais do festejado projeto federal “Minha Casa, Minha
Vida” já são dominados por milicianos que elegem os síndicos, verdadeiros
xerifes que impõe regras e negócios ilícitos (tv a cabo, distribuição de gás,
transporte alternativo) que sustentam um comércio lucrativo. A quebra desses
contratos ilegais geralmente é punida com execução do morador rebelde, na luz do
dia para que sirva de exemplo. Certos de que o estado não chega, a milícia promove
a barbárie.
Nessa quinzena assistiu-se a um acontecimento inacreditável
para uma sociedade civilizada: uma jovem desapareceu misteriosamente após ser
entregue a uma quadrilha que faz abortos ilegais. Numa comunidade dominada por
milicianos, onde o responsável pelo funcionamento do serviço ilegal é também um
miliciano. Quer dizer, aborto também já passou a ser um serviço executado pelos
milicianos. O sumiço de uma jovem, sem deixar pistas, na cidade do Rio de
Janeiro é um episódio típico de um território dominado pela barbárie. Em plena
campanha eleitoral onde ainda se discute a legalidade ou ilegalidade deste
procedimento. Pois bem, tornado ilegal pela hipocrisia do estado e pressão de
grupos religiosos, o aborto – que poderia ser um ato médico do estado – passou
a ser um negócio dos milicianos, com desaparecimento misterioso da vítima, se
algo sai do controle da tecnologia primata oferecida por esses bandidos. Espero
que depois de escritas estas linhas o corpo da jovem seja encontrado, mas é
inconcebível para uma cidade civilizada o seu desaparecimento por tanto tempo.
Enquanto por aqui a gente se diverte na cidade maravilhosa,
na cidade mafiosa a realidade é outra.
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