(Edmar Oliveira)
Outro dia, tendo ido almoçar num restaurante a peso (maldita
invenção brasileira de vender restos) me enamorei por uma suculenta dobradinha.
Restaurante a peso é para gente fina que come salada e filé de peixe que pesam
pouco. Rabada, costela, dobradinha, cozido, galinhada no peso da mistura e de
ossos faz a comida do nordestino ser muito cara. Essas iguarias só nos
restaurantes a preço único, sem balança ou no velho e decente prato feito.
Mas voltando: a dobradinha carioca ou a tripa lombreira
portuguesa sempre me remetem ao sabor de uma panelada do meu Piauí. Não no
sabor total, mas o cheiro e sabor do bucho traz a lembrança, mesmo faltando as
vísceras e o mocotó que caracterizam a nossa panelada. E como a dobradinha
pensando numa panelada. Talvez pela lembrança ela faça às vezes de minha
saborosa memória.
Hoje, em qualquer restaurante típico do Piauí já se serve a
panelada sem o preconceito. Mas teve um tempo que ela não frequentava os
restaurantes finos. Era comida de pobre no mercado. Lembro que meu pai me
mandava comprar uma panelada no Clube Auto Esporte, sede do Fluminense do
saudoso Belchior. Mas o time era tão ruim que a sede podia vender panelada. Não
era coisa que se comesse na sede do River ou no Iate Clube. Na minha juventude
fui freguês de carteirinha da Maria Tijubina e tenho saudades da iguaria do
Mafuá. Até quando ela perdeu o barraco na beira da linha do trem, eu, já
morando fora, quando estava na terra ia na casa da Maria Tabaco de Sola
(sobrenome que não pronunciávamos na sua presença ou de suas filhas), que
ficava na Palmeirinha.
Tenho uma história curiosa de quando a panelada começou a
frequentar os restaurantes. Estava em Teresina e com meu amigo Assaí fui
receber no aeroporto outro filho ilustre que morava fora. Da mesma fome que eu, Chicão – recém-chegado
– tava na vontade da panelada. Como o velho Assaí nunca enjeita a iguaria,
contou que ali perto do Aeroporto, no antigo e já fechado restaurante Coqueiro
Verde, tinham começado a servir o prato rejeitado pelas elites. Corremos pra lá
nas horas quentes da tarde e o suor já empapava nossas camisas. Tinha um salão
com ar-condicionado e outro salão do lado de fora, porque os fregueses
tradicionais gostam do calor da terra e outros ficavam com medo de pegar um “difrúcio”
pela mudança brusca de temperatura. Desta forma, o salão do lado de fora era
simples e o de ar-condicionado refinado para receber os mais ricos. Emburacamos
no salão com ar, que o calor tava de matar! Pedimos o cardápio e além do filé
com fritas, tinha galinha caipira, capote, paçoca, mais nada de panelada.
Ficamos decepcionados e o Assaí jurava que já tinha comido panelada naquele
restaurante. Chamamos o garçom para tirar a nossa dúvida e o “da bandeja” nos
esclareceu com a maior naturalidade:
– tem, mas só lá fora!
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