domingo, 7 de setembro de 2014

A MORTE NÃO É BRINQUEDO

(Geraldo Borges)

       Minha mulher me deixou, e levou com ela o nosso filho, o meu filho. Ele tem dezesseis anos. É um adolescente, muito influenciável. Pelo que eu estou vendo ela  quer afastar o menino da minha companhia. Já arranjou até um amante. Os três estão passeando. Só vão chegar daqui a uns quinze dias. Antes que eles cheguem vou ter que bolar um plano para ter o meu filho de volta, do contrario eles vão fazer  do meu filho um monstro.
          Hoje, aqui em casa, dei uma entrada no antigo quarto do meu filho e fiquei olhando os seus brinquedos abandonados, entre eles os seus livros infantis. De repente abro um deles, ilustrado. Nisso me deparo com a história de um menino que caía na água  e ficava gritando que estava morrendo afogado por pura brincadeira,até ninguém acreditar mais nele.
         Antes de terminar a história entendi tudo. E tive um estalo. Estava ali a chave do meu plano. Um simples conto para crianças me  abriria as portas para um crime perfeito. Agora era começar a agir. Enfrentar o mundo do crime. Enquanto eles não chegassem da viagem eu executaria a primeira parte do plano.
        No outro dia li no jornal a manchete de um crime. Tinham assassinado uma mulher. A primeira coisa que eu fiz foi chegar na Delegacia  e declarar que eu tinha matado a dita cuja. Falei ao delegado.
         -  Foi eu que matei a mulher.
       O delegado olhou para mim. Estudou a minha fisionomia com um ar de náusea. E não acreditou. Lá no fundo de sua experiência com marginais descartou a hipótese de eu ser um criminoso. Mesmo assim mandou-me trancar por um dia em uma sela. Claro que não encontrou ainda o criminoso. Não se encontra um criminoso da noite para o dia. Mas tem certeza que não sou eu.
          Quando me pôs em liberdade eu fui para casa, certo de que o plano estava começando a dar resultado. E logo me esqueci da advertência do delegado que me dissera, na minha saída.
         - Não me apareça mais aqui.
       Voltei lá mais algumas vezes. Graças a Deus era o mesmo delegado de plantão. Eu disse as mesmas coisas, como um menino que estava se fazendo de afogado. Tinham cometido outro assassinato. Estava sempre havendo crimes na cidade. Fui preso de novo pelo desaforo. Desta vez dois dias. Das outras vezes não fui mais trancafiado. Estava me tornando uma figura folclórica na cidade: certas pessoas já declinavam uma para as outras:
           - Lá vem o assassino.
           Estava tudo dando certo.
      Foi então que a minha mulher, seu amante e meu filho chegaram. Eu sabia muito bem em que  apartamento eles estavam. Morávamos no mesmo condomínio. Fui lá mais ou menos à meia noite. Mas precisei primeiro saber se meu filho estava com ele na hora da minha visita. Telefonei perguntando pelo garoto. Não estava. Tinha ido ao shopping Muito bem. O plano está quase sendo concluindo
       Antes de sair fui ao quarto do meu filho, e reli a história infantil do menino brincando de morrer afogado. E comecei a rir e ficar  sério ao mesmo tempo. Fechei o livro, com tanta força que matei um pequeno inseto que atravessava as suas paginas. Peguei o meu revolver na gaveta do criado mudo de meu quarto. Com muito cuidado o enrolei em uma flanela vermelha. Apaguei a luz do meu quarto e me dirigir ao apartamento deles.
         Subi o elevador em direção ao sexto andar. O numero do apartamento era 666. Estremeci. Toquei a campainha. A minha ex - mulher me olhou pelo olho mágico. E viu meu rosto deformado. Abriu a porta. Entrei e disparei bem na sua testa, quase a queima roupa. Enquanto ela morria  nos braços de seu amante eu aproveitei o descuido para liquidá-lo. Os dois caíram juntos. Limpei a arma com a flanela que eu tinha trazido e deixei a arma no chão ao pé do cadáver.
            Retirei-me silencioso e sorrateiramente.
           De manhã eu estaria na Delegacia. O delegado me passaria mais uma recriminação e me mandaria para casa. e eu iria embora satisfeito com o plano realizado. Aí terminaria a minha história para a minha felicidade e a de meu filho. Ele até poderia chorar um pouco em meu ombro pela morte de sua mãe. Mas era forte e jovem e logo esqueceria toda a tragédia.
            De manhã cheguei a delegacia e disse ao delegado;
            -  Foi eu que matei a minha mulher e seu amante.
           O delegado recebeu-me indiferente e disse;
           - Não. Você não os matou. Já pegamos o criminoso. Veja ele ali, está na sela. Era o meu filho que estava detrás das grades. Sem ter o que dizer, falei de novo:
            - Mas fui eu quem os matou. Meu filho está fora disso

         Vou explicar o que aconteceu. Logo que eu saí meu filho chegou. Invadiu o local do crime. Pegou a arma. Tudo porque fui ler um conto infantil com o espírito maligno de um adulto.




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