domingo, 9 de dezembro de 2012

Crônica publicada em 14/08/2011

arroz.com saudade



Edmar Oliveira
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Dizem que o arroz foi cultivado primeiro na Ásia e só chegou à península ibérica com os mouros. Mas apesar de ter atravessado o Atlântico com os portugueses, estes encontraram um arroz nativo, tupi-guarani, plantado na Bahia e Maranhão. Bem se dizia na minha infância que o Maranhão inventou o arroz. Papa-arroz, como os caras redondas e sem pescoço eram conhecidos no interior. O certo é que, enquanto a América espanhola come batatas, a base da alimentação brasileira é o arroz nosso de cada dia, que faz muita falta quando vamos à América em volta ou à Europa. E, junto aos paises asiáticos o Brasil é um dos grandes produtores de arroz, agora cultivado em mais intensidade no sul do país.

Mas o arroz ganhou um sotaque regional com as misturas nativas. Parecidos a um bom risoto italiano. Enquanto o sul espalha o “arroz de carreteiro”, os goianos misturam arroz na galinhada com pequi, os paraibanos fazem o delicioso arroz de leite. Com folhas dos índios, os paraenses fazem o mágico arroz de jambú, enquanto os maranhenses inventaram o arroz de cuxá. A mistura do arroz com feijão faz os diferentes baiões-de-dois de cada Estado nordestino.

Com certeza não é uma exclusividade, mas tem sabor da minha terra o arroz de pequi, a Maria Isabel e o arroz doce com canela. E minha terra fica na confluência dos interiores de Maranhão e Piauí, de um lado e outro do velho monge. O rio Parnaíba faz a espinha dorsal do meio-norte, serpenteando desde a confluência com Goiás até o delta no oceano Atlântico. E foi ali pela região lombar desse espinhaço que se fez a minha pátria.

E o pequi da minha terra é muito diferente do pequi dos Goiás. Lá ele é miúdo, amarelo açafrão, com pouca carne. Na minha terra é bem maior, muito mais pálido e com uma polpa macia de se fazer um caminho com os dentes incisivos, típicos dos roedores. O cheiro que ele deixa ao se cozinhar no arroz é característico. Odiado ou amado. Eu sempre fui apaixonado. Pequi ou não se come ou se come muito. Não tem meio termo. No arroz ou no feijão se cozinha pequi como se fosse uma iguaria que valoriza o arroz simples ou o feijão pobre. E quando faço essa descrição, sinto o cheiro e a boca enche d’água, porque a saudade de um gosto é encrenqueira.

A Maria Isabel é um risoto de carne de sol sem a umidade do prato italiano (já se faz uma Maria Isabel molhadinha nos restaurantes nordestinos, para agradar o paladar globalizado). Mas a nossa Maria Isabel tem um arroz moreno herdado da fritura da carne de sol, só que bem soltinho. A gente pode até molhar a nossa Maria Isabel. Mas é com a gema mole de um ovo frito. Aí o sabor fica uma coisa de enlouquecer. Água na boca, novamente.

O Arroz Doce é um prato típico do São João. Uma variante do arroz de leite dos paraibanos, só que com açúcar e/ou leite condensado. Serve-se frio, como a canjica, e também com canela por cima. Tem um gosto de festa junina. E uma saudade das tardes mornas de um sol preguiçoso que se demora para que o gosto fique mais na lembrança... 
      

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