Em novembro estive em Paris, acordava às cinco da manhã e saía para correr, estava hospedado nas imediações da Gare Saint Lazare. O frio começava a se estabelecer, minha indumentária era a mesma do inverno porto alegrense. No ato de correr nenhuma mudança, excetuando-se o cenário. Às vezes encontrava corredores(as) e conversávamos, dentro das limitações do "meu francês". Quando sozinho não pensava em nada de especial tampouco em meus compromissos, de vez em quando vinha a mente un canard, un vin rogue, coisas do gênero. Ao ler Do que falo quando eu falo de corrida me veio a sensação da mais sincera obviedade nas páginas dessa auto-ajuda genérica de Haruki Murakami, temperada com ultra doses de filosofia de butiquim. E dizer que o próprio é autor de Kafka à beira-mar. Lamentável, para não dizer constrangedor. Repare, quase sedentário leitor.
“Tento não pensar em nada de especial enquanto estou correndo. Na verdade, corro com a minha cabeça totalmente vazia. Mesmo assim, acho que exatamente por estar me concentrando em nada, alguma coisa surge naturalmente e, como um susto, de repente já está no meu pensamento. Essas coisas, eventualmente, acabam virando ideias que participam da minha criação literária.”
São várias dessas nesse mesmo tom aproximando o diário de Murakami a testemunho de presidiário convertido a igreja universal. Murakami aceitou seu jesus, seu jesus corredor. Francamente!
Repare bem, quase atleta leitor, não estou condenando o autor, mas ele diz o óbvio do óbvio. Quem, que corra diariamente, não sabe das modificações que o hábito exige, quem?
Escrito em forma de diário Do que eu falo quando falo de corrida narra os acontecimentos, relacionados com os treinos e maratonas com a participação do autor, em 6 dias de 2005, dois dias de 2006 e, perdido, um dia de 1996 onde o autor conta sua experiência em uma corrida de cem quilômetros.
Preste atenção, destemido leitor, que Murakami também aproveitou para fazer seu merchandising de tênis para corrida.
A relação corredor/romancista está no segundo capítulo: Dicas para se tornar um romancista corredor. Calma, apressado leitor, poupe seu dinheiro, compre um calção e esqueça o livro. Em caso de você ser escritor o segundo passo é o mais fácil, correr. Mas se você for um corredor, alto lá; diminua o ritmo, correr 300, 400, 500 km por mês não fará de você um escritor. Digo isso porque o autor trata essas atividades como sublimes. Pura bobagem. Nada que o ser humano faz pode ser sublime.
Murakami diz que maratonistas e romancistas precisam desenvolver alta concentração e perseverança para alcançar seus objetivos, que o resultado só aparece após trabalho duro e continuo.
Ohhh! Lavar vidros no vigésimo andar, pelo lado de fora caro leitor, também exige concentração e perseverança.
Lendo Do que eu falo quando eu falo de corrida me ocorreu a idéia de escrever um livro sobre o ato de caminhar nas grandes cidades, começará assim: É aconselhável não ocupar o mesmo lugar que os automóveis quando em movimento.
Enfim, quem corre diariamente não encontrará novidade alguma no relato do pastor Murakami, quem não corre dificilmente se sentirá estimulado a fazê-lo. Sublime demais… coisa pra escritores… quem sabe… pintores.
Decepcionado leitor, corra à livraria e compre Minha querida Sputnik ou Kafka ao meio dia, parece mentira, mas trata-se do mesmo Murakami.
Saudade de Paris!
Um comentário:
GOSTEI DO TEXTO, ADORO ESSE LIVRO !
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