quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Revoltosos e Legalistas

Geraldo Borges
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Bacaba, propriedade rural à beira do rio Parnaíba Município de Matões Maranhão. 1925. A Coluna Prestes vinha descendo a bacia do Parnaíba pelo lado do Maranhão. Já tinha entrado em confronto com os revoltosos defronte de Uruçui e em Benedito Leite. Os legalistas dispunhas de um vapor gaiola, e vinham descendo o rio. Ao passar pela propriedade Bacaba de meus avós, os revoltosos avisaram ao meu pai e seus irmãos, que estavam capinando uma roça na beira do rio, que se retirassem dali, e fossem para as suas casas. Pois os legalistas logo passariam pela frente do porto. E poderiam atirar neles. Pois estavam atirando em todo mundo.

Meus pais e seus irmãos não deram ouvidos. Continuaram no seu trabalho. Logo mais o vapor apareceu na curva do rio, descendo o canal, que por sorte ficava do outro lado, na margem do Piauí. Os legalistas viram meu pai e seus irmãos. E, logo, começaram a atirar, com seus rifles. O terreno na margem do rio era plano e arenoso; aqui e ali havia algumas palmeiras. Os irmãos de meu pai ao ouvirem os tiros caíram no chão.

Quanto ao meu pai, pegou dois tiros. Um entrou no ombro, o outro, entrou mais ou menos abaixo da última costela. Com certeza a bala bateu em alguma palmeira e ricocheteou; atingiu meu pai com pouca força. Nunca me esqueci desta palavra milagrosa. Ricocheteou.

A situação ficou crítica. Baleado. No interior do Maranhão, onde não chegava nem um adjutório da ciência médica, sem nenhuma condição de socorro. A família apelou para as práticas arcaicas. Ninguém se habilitava a lhe fazer uma operação. Resolveram fazer um chá de pinto. O chá consistia em cozinhar um pinto, com pena, bico, cabeça. Uma gororoba horrível, com todas as vísceras. Meu pai tomou o caldo, era jovem e não queria morrer.

Nesse mesmo dia passou pela porteira da propriedade de meus avós, os tenentes: Cordeiro de Farias e Siqueira Campos, integrantes da Coluna Um deles disse ao meu pai: Não se preocupe você vai sarar, e ainda vai contar sua aventura aos seus filhos e netos. Foi de fato o que aconteceu

Meu pai virou “herói...” Quando nos mudamos para Teresina, ficou famoso na cidade, bastante conhecido, no meio da vizinhança. Muita gente ia a sua mercearia só para ver o homem que tinha sido baleado pelos legalistas, durante a perseguição a Coluna Prestes. Quem não conhecia direito a sua história pensava que ele era um revoltoso... Uma vez um jornalista do Estado de São Paulo, veio fazer uma reportagem sobre a passagem da Coluna no Piauí e lhe fez uma entrevista.

Quando eu era menino esta história me impressionou. E eu tinha orgulho desse acontecimento. Meu pai era um “herói”. Eu contava essa aventura para os meus colegas de escola, e eles ficavam de boca aberta.

Depois de adulto comecei a estudar a história do Brasil. Aí descobri, com mais clareza que meu pai tinha sido uma vitima, que os legalistas agiram, muitas vezes, de modo irresponsável. E que meu pai, embora, tenha solicitado por requerimento na justiça uma indenização por danos físicos, nunca foi indenizado. A bala dentro dele o abalou por toda a vida. Foi sempre uma ameaça em potencial. Mesmo assim, morreu com ela, em idade avançada. Setenta e nove anos. E tudo isso me colocou um indagação. Vale a pena morrer de amores pelo exército brasileiro que por um triz ia me preterindo de contar esta história...

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Esta história, dentre outras contadas pela memória oral, está relatada por Chico Castro em seu livro "A Coluna Prestes no Piauí", edição do Senado Federal, minucioso trabalho jornalístico investigativo, que deve ser lido pelos conterrâneos.

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