quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O Rastro do Jaguar

Luiz Horácio

Hoje não tem introdução, vamos direto, curioso leitor. O livro é extenso 565 páginas, o livro é premiado, prêmio Leya 2008, o autor é experiente, mas o livro é “quase”. Quase bom, quase repetitivo, quase entediante, quase uma aventura, quase previsível.

Deve muito a Tristes Trópicos-Lévi Strauss- e devo um pouco a Trevas no Eldorado-Patrick Tierney e outro pouco a Os sertões-Euclides da Cunha. O enredo é simples, mas a tentativa de torná-lo complexo o transformou numa trama previsível. Tudo isso embalado pelo sentimentalismo sempre exagerado da música de Wagner. Isso é opinião, você não é obrigado a aceitar tampouco concordar. Respeite e estamos conversados, educado leitor.

A trama é a seguinte: véspera do ano novo de 1900, Pereira, velho jornalista de origem portuguesa , começa a desfiar su

as memórias que chegam da metade do século XIX.Conta que saiu de Paris junto com Pierre. O jornalista/narrador pretende apresentar o Brasil que nessa época está em guerra com o Paraguai. Detalhe; o Brasil não está só nessa “dificílima” empreitada. Ajudarão no massacre Argentina e Uruguai.

O rastro do jaguar é a história de Pierr

e, soldado francês de origem guarani, que vem ao Brasil em busca de suas raízes, pano de fundo a colonização dos índios.

O que me proponho a escrever não são minhas memórias, não é um romance; será, talvez, uma longa reportagem sobre a história de várias guerras, grandes e pequenas, que acompanhei ao longo desta vida de repórter. Mas principalmente sobre a viagem de um homem em busca de sua alma e de seu povo.Esse homem se chamou Pierre de Sanit’Hilaire, foi soldado, músico, poeta e mais tarde transformou-se no Jaguar, o Iauaretê das paradarias do Sul.

Pierre não é pouca coisa, guarani, formou-se na Europa, músico erudito, tocou na estréia do Tannhäuser , dramalhão wagneriano,em Paris. Seria Pierre o nosso outro “índio de casaca”? Apelido que Menotti del Picchia deu a Villa Lobos.

A busca de Pierre se desenvolve em quadros pintados com as tintas da melancolia, a leitura de cartas antigas vai deixando à mostra a quantidade incompleta de peças de um quebra-cabeças . Gravados nessas peças as incursões das personagens e um capítulo da história do Brasil do século XIX.

As veredas de Pierre e Pereira começam pelo sertão, é lá que eles perceb

em a resistência dos nômades botocudos. Esses aimorés não se rendem ao colonizador, não abandonam seus hábitos nômades, tais atitudes os encaminham a um fim deplorável.

Pierre, você logo perceberá isso, arguto leitor, encontrará sua gente e a seguir se ocupará com os mitos de sua gente. O mito que não exige dissociação entre ser e natureza, tudo se confunde, o eu e a natureza são uma coisa só. Nossa sociedade atual, massificadora opera nessa mesma faixa, provocando a perda das individualidades. O indivíduo acompanha a vontade das massas. Bem, mas isso é assunto para outra hora.

Voltamos a seguir o rastro do Jaguar. Ao mergulhar nos mitos criadores de seu povo, Pierre tem atenção despertada pela existência de uma Terra Sem Males. E Pierre parte...

Não importava que o Norte os levasse ao coração do Império - nada limitaria a caminhada em busca da Terra Sem Males.

- Por quê? Porque assim nossos antepassados nos mandaram; porque assim continuaremos vivos, assim teremos a esperança. Até onde iremos? Não é possível sab

er o destino antes de começar a caminhar. Haverá, em algum lugar, um vale pequeno onde nossa gente poderá abrigar-se, silenciosa, aguardando seu futuro.

O rastro do Jaguar tem alguns pontos em comum com Trevas no Eldorado, entre eles o massacre dos índios. Na obra de Tierney percebemos as ações criminosas de cientistas e jornalistas. O rastro do Jaguar, por sua vez, traz a reportagem da Guerra do Paraguai.

Argentinos, Brasileiros e Uruguaios se uniram para combater as tropas de Solano Lopez que contava em suas fileiras com vasto contingente de guaranis paraguaios. Dizimados, é claro.

O rastro do Jaguar enquanto aventura, aventura de índios, lutas,selva

s, radiografia da colonização, da nefasta contaminação religiosa/ideológica tem lá seus méritos. Do caráter antropológico não convém tratar, Tristes Trópicos ainda vale leituras e releituras infindáveis. No quesito reportagem, o obra de Murilo Carvalho fica bastante aquém de Os Sertões, inclusive no que diz respeito a aventura, ao quase faroeste tupiniquim que ele e Euclides da Cunha escreveram. Desse modo, concluo que a floresta seja o terreno por onde Murilo de Carvalho melhor conduz sua narrativa e seus personagens. Embora seus personagens sejam de uma firmeza psicológica assustadora, buscar aproximações com a realidade não é tarefa das mais fáceis. Tem um quê daquelas construções idealizadas, o índio de José de Alencar e suas façanhas. Murilo tem resquícios de um romantismo que compromete. Vale ressaltar o olhar critico do autor no que diz respeito a moral vigente no Brasil pós-colônia, onde negros e índios eram tratados como “bois de piranha”. Os Farrapos, Gal. Canabarro enviou os lanceiros negros, armados com lanças e nada mais, a enfrentar as balas. Viraram nomes de ruas e avenidas os “anjos Caxias, Canabarro, Borges de Medeiros, et. Caterva. Feito o desvio, voltemos ao rastro do Jaguar.

Ao ingressar no cenário urbano os aspectos de gosto duvidoso se tornam mais evidentes. Na viagem da floresta para a Europa, Murilo esquece algumas coisas e acrescenta outras, entre elas a pieguice e os lugares comuns. A história de amor de Pereira, o narrador, é constrangedora em seus exageros nostálgicos. Mas Murilo não deixa a pieguice de lado quand

o o cenário é a floresta, não embarque nessa canoa, ingênuo leitor. Atente para o trecho onde o narrador se refere a poesia de Gonçalves Dias.

Hoje, depois de tantos anos, percebo como ele estava errado;seu romantismo não era exagerado;as virtudes como honestidade, honra, coragem, lealdade, amor, que ele colocava romanticamente, nos personagens de seus poemas, existiam sim entre os índios brasileiros.

Isso posto, vale acrescentar mais um quase a O rastro do Jaguar , o quase épico.O quase épico que não enaltece feito algum, o quase épico a apresentar desastres e mais desastres culturais.

E de Wagner, a influência maior que se nota não vai além dos absurdos sentimentais.

TRECHO

Hoje, relendo o poeta Gonçalves Dias, não apenas este poemas, mas outro

s versos em que fala da nobreza, do amor, dos grandes sonhos que nascem nas noites da floresta, posso compreender ainda com mais clareza as decisões de Pierre e também por que seu povo passou a chamá-lo de Jaguar, o grande tigres das florestas americanas, solitário, valente e poderoso. O Jaguar, cujo rastro venho seguindo, para que eu mesmo possa ter certeza de que a honra e a lealdade são os valores que levarei comigo desta vida de aquém-túmulo.

É estranho como sempre que se discute algum aspecto da vida moral, como a honra, a bondade, a solidariedade, muita gente se indague sobre sua utilidade. Nestes anos em que o positivismo tornou-se quase uma doença que ataca a maioria dos homens que governam os países, fazendo-os enxergar na ordem e no ordenamento das idéias a base de toda a felicidade e do progresso das

nações, é comum buscar uma utilidade para cada coisa.Assim, a ordem, o progresso seriam aplicações úteis das idéias, como a ordem unida e os exercício físicos são pressupostos da formação de bons soldados. Nada mais errado. A experiência do pensamento e a convivência com a cultura não lógica, como a dos índios brasileiros, têm me mostrado que o bem moral não é útil; ele é, na verdade, uma forma de realização harmônica do ser humano, porque coloca o homem no plano real da liberdade à medida que sua vida toma o rumo que ele deseja, ao fazer a escolha entre uma vida moral e uma vida baseada no útil.

AUTOR

Murilo Carvalho é jornalista, escritor e realizador de documentários.Trabalhou em alguns dos principais jornais e também em revistas e em emissoras de televisão brasileiras.

Durante os anos de ditadura militar no Brasil foi repórter do jornal Movimento. Trabalhou ainda no jornal Folha de São Paulo e em revistas da Editora Abril. Nos últimos anos,dedicou-se à produção de documentários e programas de televisão sobre a realidade brasileira.

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