quinta-feira, 4 de setembro de 2008

OS QUINTAIS DO MUNDO

Cineas Santos

Se o menino é o pai do homem, como queria o velho Bruxo, Climério foi um menino de olhos gulosos, olhos maiores que a barriga, para usar uma expressão bem piauiense. Enquanto corria atrás do dia por ruas empoeiradas, becos e quintais da pequena Angical, ia recolhendo tudo o que, aos olhos apressados, não tinha qualquer serventia.
Quanto partiu – um dia, todos partimos – levou no embornal da memória aquele cabedal de “inutilidades” e se fez sovina. Para evitar que alguma coisa se perdesse no chão das lonjuras, foi estreitando a fenda dos olhos até que se tornassem dois riscos de nanquim num rosto de lua cheia, réplica apurada de um velho chinês.
Com o tempo, aquele rebotalho foi-se decantando até tornar-se poesia, poesia em estado puro, límpida e cristalina como a água das fontes escondidas. Foi aí que Climério Ferreira percebeu que a sovinice já não tinha razão de ser: generosamente, abriu o baú da memória e nos convidou a compartilhar com ele o que, um dia fora de todos; depois só dele e, agora, do mundo. Memorial de Mim é bem mais que “as lembranças poéticas de um menino de Angical”; é o mundo transfigurado pelo poder mágico da poesia.

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