quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O Faquir, a Onça e o Elefante



Geraldo Borges

Por aqui, em minha cidade, passou um faquir. Era um homem forte e bonito. Tinha a cabeleira parecida com a juba de um leão. O faquir ficou deitado dentro de uma caixa de vidro, em uma cama de ferro, com um leito de prego. Passou ali quase um mês. Eu fui olha o faquir. A cidade toda pagou para ver. Só se falava a respeito deste homem. Muitas pessoas até esqueceram que passavam fome e que as mercadorias da cesta básica estavam caras. Eu ficava admirado, de boca aberta. Como é que uma pessoa podia passar aquele tempo todo sem comer. Ele era forte e não comia. E muito esquisito continuava com o mesmo calibre.

Depois que passou vinte e sete dias em jejum o faquir foi tirado de dentro da caixa de vidro e ofereceram-lhe um banquete. Não tinha um aranhão. A pele estava lisa e corada. Não me lembro se ele lavou a burra nesse dia. Quer dizer, descontou o atrasado. Tirou a barriga da miséria. Só me lembro que ele estava muito risonho e animado e apertando a mão de todo mundo, com firmeza. Pensei comigo Será que ele existe mesmo, ou estou vendo um fantasma como os que deliram de fome?
A passagem do faquir por minha cidade foi um acontecimento maravilhoso, só ultrapassado pelo Zepelim e pelo hidro – avião.

Toda vez que eu sentava à mesa, em casa, desde que o faquir foi embora, eu me perguntava. Haverá necessidade mesmo de se comer todo santo dia? A gente bem que podia ser faquir um dia e outro não. Com estes pensamentos tentei de minha parte fazer um esforço de faquir para diminuir o apetite. Fui aos poucos diminuindo a comida. Notei logo que para isso era preciso muita concentração. Acresce que nesse tempo eu estava em plena adolescência, em fase de crescimento. E ainda por cima havia descoberto conversando com o faquir, que há três coisas importantes na terra: comer, em primeiro lugar, morrer pela pátria quando se é jovem, e mulher na cama. Não morri pela pátria quando era jovem, não tive tantas mulheres, mas a fome continua. Adeus vontade de ser faquir.

Por isso mesmo comecei a admirar os elefantes dos circos que chegavam na cidade. Aquelas montanhas de carne se movendo. Monstruosos ratos de tromba. Os empregados do Circo traziam montes de capim da beira do rio e os empilhavam em sua frente. E eles os devoravam com a maior paciência paquidérmica do mundo. A tromba como um guindaste flexível ia e vinha ao monte de capim, até que o chão ficava limpo. No outro dia estavam lá os elefantes comendo de novo.

Certa vez foi uma onça que trouxeram para a minha cidade: onça preta. Instalaram o felino em uma casa, no centro. As pessoas ficavam em fila para comprar ingresso a fim de ver a onça. Eu como não tinha grana permanecia ao lado da porta perto do porteiro, com os olhos compridos para dentro do recinto onde a onça estava engaiolada. Não via a onça, Mas confesso que sentia o seu cheiro selvagem de bicho carnívoro. Já pensou uma onça sendo votada em uma assembléia de bichos a virar faquir. Digo isso porque pelo tempo que passei plantado lá na porta nunca vi ninguém entrando com passadio para a onça.

Todo dia eu ia para a porta da casa onde estava a onça, no centro da cidade. O porteiro já estava me conhecendo até demais. Terminou um dia me perguntando se eu era filho de um coronel fulano de tal. Como uma das qualidade do ser humano quando é menino é mentir, eu disse que era. O porteiro sorridente mandou que eu entrasse para ver a onça preta. Matei a minha curiosidade mórbida. A onça fedia. Não sei se de fome, de barriga cheia, ou de raiva.

Saí da toca da onça odiando secretamente o porteiro por ter me achado parecido com o filho de um coronel fulano de tal.

Não sei se estas coisas me aconteceram realmente ou se não passaram de alucinações de um faminto. Dei para beber agora sem regra e quando menos espero passo os limites do cotidiano e mergulho no fantástico. Enxergo coisas inacreditáveis. Como por exemplo. A onça saiu de sua jaula e comeu o faquir. Porém o faquir por sua vez já tinha comido o elefante. Mas isso já é outro delírio.

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Ilustração Wilmarx

Um comentário:

Anônimo disse...

Encontrei o teu blog por acaso. Adorei essa história do faquir, do elefante... Muito legal =) continue postando uns textos.. Gosto de ler coisas perdidas pela internet. Abraço, Laís.