quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O CIRCO


Edmar Oliveira


Quando o circo chegava na cidade era um alvoroço só. Uns vinham de trem, outros de caminhão e ônibus do próprio circo. E tinha a bicharada. Elefante, onça, macacos, cavalos. Era interessante ver a lona subir. Uma mágica. As cores vermelha, azul e branca da lona, enfeitada com bandeiras, se impunha na praça do mercado. Um cercado, o carro da bilheteria, as tabuletas. O que acontecia lá dentro era um mistério que só seria desvendado na noite de estréia. No dia D o palhaço comandava a trupe: bailarinas, trapezistas, equilibristas saiam nas ruas anunciando o espetáculo. Um coro de crianças seguia o cortejo respondendo ao que o palhaço gritava no megafone:

- Hoje tem espetáculo?
- Tem, sim senhor.
- E o palhaço. O quê é?
- Ladrão de mulher.

E por aí íamos nós respondendo o que fora ensaiado rapidamente. Quando retornávamos da maratona, seguindo o palhaço em suas pernas de pau, recebíamos um carimbo de tinta azul no braço. Era a garantia de entrar de graça à noite. O maior desafio era tomar o banho sem tirar a tinta do braço. Sem ela não tinha o passaporte da estréia. E aquela era uma noite importante.

A grande hora chegava com a noite. A bandinha na porta do circo, o pipoqueiro, o algodão doce. Lembro que entrei maravilhado depois de ter mostrado o meu carimbo. Lá dentro era a magia. Aquela lona azul com estrelas pintada era um céu de fantasia. As cordas, os trapézios, o picadeiro e o palco com a cortina fechada, já diziam que aconteceria o espetacular. Primeiro, o dono do circo, de fraque e cartola, anunciava o espetáculo. Dois palhaços já faziam uma cena pra chamar atenção e disfarçar a entrada do malabarista e da bailarina equilibrista. Quanta beleza nos gestos e perícia no equilíbrio. Os palhaços de novo. A gente ria das besteiras. O picadeiro recebia o leão e o domador dentro de uma jaula. Coragem do homem que, com um chicote, fazia o leão sentar e a onça atravessar um arco. A banda tocava uma música que anunciava a coragem e a tensão. Os palhaços voltavam enquanto o picadeiro era esvaziado. Os palhaços faziam a continuidade do espetáculo para não ter interrupção. O elefante entrava no picadeiro para se equilibrar numa pequena base sobre um cone. Depois sentava e fazia contas com as patas seguindo as ordens do domador. Os palhaços voltavam. Daí faziam um número maior com um calhambeque e macacos no palco e faziam estripulias de causar inveja ao equilibrista. Parecia que ele caprichava pra errar e pra ficar engraçado. Quando este número acabava, tambores anunciavam o momento de maior tensão. Os refletores se voltavam para o céu de lona. Os trapezistas já estavam a postos. A gente ficava com o coração pequeno nos saltos. E os olhos acompanhavam a trapezista que mudava de mãos dos trapezistas como se tivesse asas. A música aumentava a tensão e o duplo mortal acontecia no momento em que corações da platéia saltavam pela boca. Na emoção crescente que vinha acontecendo ficávamos aliviados com o intervalo.

A segunda parte do espetáculo era o que chamávamos de "Drama". Um teatro popular era dramatizado no palco pela bailarina, trapezistas e palhaços que viravam atores. O "Coração Materno" de Vicente Celestino foi pra mim um "Drama" inesquecível. Uma tragédia no palco em que o coração da mãe era oferecido à amada. Aquilo me marcou a alma. A magia tinha chegado ao ápice na tragédia. Fui pra casa e não dormi naquela noite.

No dia seguinte a vida seguia morna. Mas a convulsão do circo era inesquecível...

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Depois da postagem deste texto me chega a notícia da morte de Waldick Soriano. Na lembrança ficou o maior cantor brega da minha vida. Waldick morou em Timon e habitou os cabarés da minha adolescência. Cantou tanto na rua Paissandú (baixo meretrício teresinense), que faz parte da minha vida. Declaro-me fã incondicional do Soriano. Bonita homenagem fez Patrícia Pillar na gravação de um DVD antes do desaparecimento de Waldick. E ele sempre esteve nos circos... E eu o conheço desde Codó.

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