quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O Trem de Ferro

Geraldo Borges

Luiz Gonzaga e João do Vale, se não me engano, falam do trem Maira Fumaça, que fazia linha de São Luis a Teresina. Viajar nesse trem era uma aventura. Tanto queimava como atrasava. O passageiro botava o relógio para despertar de madrugada. E não sabia que hora da noite estaria chegando a capital do Maranhão. Bastava atravessar a ponte de ferro João Luis Ferreira o trem atracava em Timon. Embarcavam mais passageiros. Depois vinha a estação de Caxias. Quando o trem chegava lá, parava para descer passageiro e mercadorias. A meninada gritava anunciando roletes de cana, bolo-frito, laranja, milho verde... A estação parecia uma feira.. Muitos meninos ficavam com o troco do freguês porque não dava tempo entregar o dinheiro pela janela na hora que o trem dava a partida.





O trem tinha duas classes de passageiros: primeira e segunda. Isso funcionava no preço das passagens, que o empregado da estrada de ferro saia picotando dentro dos velhos vagões. Na verdade as acomodações de uma classe ou de outra era quase a mesma coisa. Todo mundo chegava a São Luis queimado de fuligem e de brasa, que espirrava da chaminé do trem. Mesmo assim era bom viajar rebocado pela locomotiva.

Eu mesmo viajei diversas vezes. Gostava de ouvir o chiado das rodas nos trilhos e o apito do trem de ferro. Isto me fazia lembrar a poesia de Castro Alves que dizia: “Agora que o trem de ferro acorda o tigre no cerro e espanta os caboclos nus”... Gostava de ficar ao lado de uma janela. O que me encantava era o movimento das árvores correndo, lá fora, juntamente com os bois e as aves. Tudo parecia um presépio em movimento. Quintais com bananeiras e mamoeiros, roupas nos varais, mulheres nas janelas.

Lembro-me de algumas cidades por onde o trem passava. Depois de Caxias vinha Codó, logo mais em frente Iparema, onde se fazia uma farinha d’água muita boa. Especial para se comer com carne seca. A última cidade antes de se chegar a São Luis era Rosário. O vai e vem do trem de São Luis a Teresina desenvolvia grande atividade comercial e cultural entre os dois estados do Meio Norte. Eu tinha um amigo que toda a semana levava verduras para a capital do Maranhão. Comprava as verduras no fomento Agrícola de Teresina. Chegando a São Luis vendia tudo no mercado do bairro João Paulo. No outro dia voltava trazendo outros tipos de mercadorias. Trazia também a farinha de Iparema que tinha freguesia certa.

Havia um maquinista de trem que tinha uma esposa em São Luis e uma amante em Teresina. E de viagem em viagem fazia as suas aventuras. Acontecia também que ladrões vinham de São Luis roubar e furtar em Teresina, de noite. E aproveitavam para fugir no trem de madrugada. De forma que o trem era um elemento muito importante na comunicação entre os dois estados.

O trem era a nossa ligação com o mundo. Trazia muitas mercadorias do litoral importadas da Europa. Vinham também os Circos importantes. Os que tinham no seu elenco: atores palhaços, trapezistas engolidores de fogo, mulher barbada, os que se apresentavam no globo da morte. Traziam muitos animais amestrados: zebras, elefantes, girafas, leão, macaco. Só faltava mesmo o Tarzam. Toda aquele beleza circense vinha nos vagões do trem Maria Fumaça. Depois o Circo desaparecia após quase um mês de espetáculo, deixando um estranho vazio na cidade.

Minha residência não ficava muito longe dos trilhos da estrada de ferro, e, também, não ficava longe da estação. Uma das primeiras coisas que notei ao viajar de trem foi a semelhança arquitetônica das estações: os mesmos arcos e a mesma cor nos rebocos. Havia em cada estação um telegrafista, para avisar os horários e outros acontecimentos imprevistos.

Houve uma época em que o estado do Piauí estava bem servido de ferrovias. Havia estrada de ferro de Teresina a Parnaíba, até o Ceará e Pernambuco. Mas as rodovias aos pouco foram acabando com os projetos das ferrovias. Todas as velhas ferrovias viraram sucatas, ruínas. O trem Maria Fumaça que deixou de usar lenhas ainda funcionou a óleo diesel por algum tempo. A ponte metálica de Teresina quando foi inaugurada não tinha estrado para passar carro. Possuía apenas a rede de dormente. E de cima da ponte podia ver -se lá embaixo as águas represadas em redor das pilastras. Mais tarde com o advento dos automóveis a ponte foi assoalhada para este tipo de veiculo passar.

Não demorou muito e as viagens regulares de trem entre Teresina e São Luis foram escasseando até desaparecerem por completo. Às vezes a gente via nos trilhos um trole solitário, empurrado geralmente por dois empregados da estrada de ferro. Ninguém sabia ao certo qual a sua missão. Pareciam até que estavam perdidos. A linha férrea ficou ociosa.

No Piauí um governador, engenheiro entusiasmado, deu na telha de aproveitar os trilhos e construir um metrô de superfície comprando velho vagões na Europa. Sofreu oposição de alguns setores da sociedade. Mas obstinado conduziu seu projeto até o fim.

O certo é que a estrada de ferro São Luis - Teresina tem uma história. E já houve pessoas que estando em São Luis sem dinheiro no bolso e precisando voltar para Teresina meteram os pés na linha do trem e atravessaram cidades à beira da ferrovia, cruzaram pontes estreitas, e desembocaram em Teresina. Com os pés inchados e as canelas doendo.
Com certeza, durante tanto tempo que o trem Maria fumaça, rodou, bufou, apitou, acordou o tigre no cerro e espantou os caboclos nus, deve ter criado em torno das cidades por onde passou algum folclore. Não é possível que esteja registrado apenas na música de Luiz Gonzaga e João do Vele. Talvez existam outras expressões culturais por aí ligada ao nosso trem de ferro Maria Fumaça. Como por exemplo: Tem boi na linha... Pois bem. Cheguei ao fim da linha. Vou abandonar este trem. Até a próxima viagem.
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o trem da foto é de Tiradentes,-Mg , que é parecido com o trem da lembrança do Geraldo. Os trens da memórias do Geraldo corriam no Mafuá e seus apitos nos acordava na cama, na rua Campos Sales de quando meninos sonhávamos...

2 comentários:

Anônimo disse...

O trem "São Luís-Teresina", então integrado a RFFSA, foi objeto de minha dissertação de mestrado.Certo que o tranporte sobre trilhos guarda um "quê" de folclore, bem como de saudosismo. Contudo, necessário se faz buscarmos refletir em que medida a EFSLT contribuiu para uma construção identitária relativa aos núcleos habitacionais existentes às margens da via férrea.

Anônimo disse...

Depois da estação de Codó vem Coroatá, Pirapemas(o nome da cidade no texto está errado), Itapecuru- mirim, Rosário e finalmente São Luis.