Tem acontecimentos históricos que a gente não entende. Nunca me conformei com aquela história de D. Pedro II, no momento em que se arquitetava a República, ter ficado em Petrópolis alheio a todos os acontecimentos da corte. Meus livros de história diziam que ele lia poesia, se preocupava com coisas da ciência da época, mas não sabia de nada que estava acontecendo sob suas barbas brancas.
“O Príncipe Maldito” (Del Piore, Mary, ed. Objetiva, RJ, 2006) lança luzes sobre este período obscuro, pelo menos pra mim. Primorosa biografia de Pedro Augusto, filho de Leopoldina, neto de Pedro II, e aspirante a Pedro III. Acontece que a Princesa Isabel não teve filhos logo, por problemas de saúde. Pedro Augusto, cuja mãe morreu jovem, sempre sonhou com a coroa (não a tia, mas o trono) e aspirava até mesmo uma precoce abdicação da tia em seu favor, já que a regente interina não gostava das coisas da política e sim das coisas do reino dos céus. Mas vamos deixar o enredo para a leitura do livro a quem interessar. O que nos interessa aqui é a elucidação daquela explicação que ficou incompreendida há muito tempo.
Bisneto de Maria, a Louca, Pedro II fez sua última viagem à Europa, como imperador, para tratar de uma melancolia. È durante esta viagem que Isabel, pressionada pelos abolicionistas e, mais importante pra ela, pela Igreja, assina a lei conhecida como “Áurea”. Durante a viagem o Imperador é visto por vários médicos europeus e tem duas consultas com Charcot, o eminente professor francês que usava a hipnose, e fez Freud se interessar pela psicanálise. Charcot prescreve para o retorno do imperador ao Brasil: “dois meses de férias, leituras brandas, medicação metódica, nada de emoções” (pg. 142). É seguindo esta prescrição médica que Pedro II fica alheio aos acontecimentos em Petrópolis. E não foi avisado das tramas da República só por razões da enfermidade. Os monarquistas se dividiam entre os que queriam a substituição do velho imperador pela Princesa Isabel ou por Pedro Augusto (num golpe monarquista na sucessão sanguínea). Isabel não tinha interesses políticos, mas o conde D’Eu, seu consorte que já tinha herdeiros, ambicionava o trono. Segundo a pesquisadora essas intrigas foram mais Republicanas que a ação dos militares. Deodoro era monarquista, mas estava insatisfeito com uma transferência para Goiás. De sorte que a seqüência dos acontecimentos colocou a República no seu colo em data antecipada. E até o cavalo imponente da pintura que retrata o ato foi emprestado de um auxiliar, por acaso, para permitir a Proclamação.
Esclarecido o acontecimento, fica-se sabendo de algumas fofocas históricas também interessantes. É que a história sem as fofocas, os bilhetinhos, as indiscrições, perde a graça.
Pedro Augusto, perdendo o sonho de ser imperador, banido com a família imperial pelos republicanos, tem o primeiro surto de loucura a bordo do navio rumo a Europa. Como sua doença continuasse em Codisburgo, terra de seu pai, foi visto por um jovem médico vienense mandado por Charcot. Sigmund Freud afasta um diagnóstico de “monomania e excitação descontrolada” e parece ver uma “depressão e profunda tristeza” (pg.275). Mas além do diagnóstico não consta um tratamento feito pelo jovem que elaborava a psicanálise. E como o quadro se agrava, o jovem Pedro Augusto é internado e exerce o Terceiro Reinado num manicômio, aonde vem a falecer depois de 41 anos de internação...
3 comentários:
O livro da historiadora Mari Del Priore de fato é excelente e nos ajuda a compreender, um pouco, um dos momentos decisivos da nossa história. A República é fruto de um golpe, o que talvez explique muitas coisas que temos por aí e pelo que se percebe da leitura do livro, não estaríamos muito melhor se a Princesa Isabel efetivamente tivesse ascendido ao trono Imperial.
Aí é que você se engana, caro Anônimo, pois o reinado de Isabel teria sido marcado por reformas sociais e políticas.
Aí é que você se engana, caro Anônimo, pois o reinado de Isabel teria sido marcado por reformas sociais e políticas.
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