terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Das enfermidades que não tive

Cineas Santos


Sou de um tempo de doenças conhecidas, remédios baratos e curas duvidosas. É certo que se morria bem mais cedo, mas, em compensação, sem tantas diluições, vivia-se cada segundo da existência com muito mais intensidade. Com o progresso científico e os avanços da medicina moderna, ocorreu um fenômeno curioso: descobriram-se mais doenças do que remédios para as já existentes. Um exemplo: o que fez a medicina, além de uma vacina de efeitos discutíveis, para evitar ou curar a gripe? Absolutamente nada. Os médicos, por seu turno, tornaram-se mais espertos: quando não conseguem diagnosticar uma enfermidade, por mais banal que seja, nem titubeiam: “Trata-se de uma virose”. È como se dissessem: é a vontade de Deus.


Menino, no sertão do Caracol, fui acometido de todas as doenças, até então, conhecidas. Com mezinhas, chás e rezas fortes, sobrevivi a tudo e aqui estou para contar a história. Peço permissão aos meus três leitores para nomear as enfermidades mais comuns e os remédios de que dispúnhamos para curá-las. Para cicatrizar o corte do cordão umbilical, sarro de cachimbo era tiro e queda; para apressar o endurecimento da moleira, usava-se gema de ovo aquecida; dordói (conjuntivite), curava-se com sumo de fedegoso; para frieira, nada mais eficiente do que folha de cabaceira aquecida; combatiam-se as impingens com sumo de limão e pólvora; curavam-se as verminoses com mastruço , melão-de-são-caetano ou semente de abóbora; tosse-braba (coqueluche), aliviava-se com leite de jumenta preta; as crises de asma eram amenizadas com mel de cupira , caldo de cauã ou cigarro de flor de zabumba ; prisão de ventre curava-se com óleo de rícino; aliviavam-se as crises de enxaquecas com chá de imburana-de-cheiro; para os desarranjos intestinais, nada melhor que casca de pau-de-rato; para caxumba (papeira) , barro de casa de parantonha umedecido com cuspe; para o sarampo “sair” , chá de merda de cachorro;para estancar sangria desatada, pó de café ou bosta de jumento; para quebranto, mau-olhado e espinhela caída, o remédio era reza forte com galho de arruda. As demais enfermidades eram combatidas com aguardente alemã, remédio que não podia faltar na casa de cristão nenhum. É escusado afirmar que havia, como ainda há, doenças incuráveis: feiúra, preguiça, sem-vergonhice, dor-de-corno...


Por que me lembrei disso agora? É que, dia desses, um amigo me ligou extremamente apreensivo: descobriu que sofre de transtorno bipolar, ou seja, é capaz de passar da euforia à depressão num piscar de olhos . Não bastasse isso, o infeliz sofre também de úlcera de origem nervosa, rinite, pressão alta , insônia e estresse. A despeito disso (ou talvez por isso), ainda está vivo e faz muito sucesso como artista. Ganha um picolé caseiro quem adivinhar o nome dele.

Diante de um quadro como o descrito acima, sinto-me um privilegiado. Sofro apenas de feiúra crônica, dureza galopante e envelhecimento irreversível, enfermidades que só se fazem sentir diante do espelho ou quando os cobradores batem à porta. Conversando com um médico amigo sobre o assunto, ele me explicou que sofre de uma doença rara, mas preocupante: workaholic. Ante o meu espanto, explicou-me que se trata de obsessão pelo trabalho ou “vício do trabalho”, como a denominam os americanos. Por via das dúvidas, resolvi dedicar-me à releitura de Da preguiça como método de trabalho, do impagável Quintana. É melhor morrer de nada do que de tudo. Assim seja.
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Novamente chegando no espaço o Imperador de Caracol. Sua magestade da cabeça branca e zói galego fala com sabença das doenças que acometeram os piauinautas desde a meninice.

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