José Blaya
O que serve para curar a alma,
O gesto, a calma, um fonema,
Cabe no vértice de um poema,
Serve aos motivos da paixão.
O que serve e cura a alma
É um pouco da tua fala
E, se calas, o teu segredo.
É mandar o medo embora,
É teu riso inesperado e
O cheiro do teu cangote.
Serve sentar no chão, os pés
Descalços, um rio para se nadar.
Serve canto de roda, vôo de pandorga
Um terreno baldio e misterioso.
Alma sofre do que foi fora e não devia:
Ímã, bicicleta, cheiro de madressilva
Grito, cuspe e nome feio.
Um cachorro que se gostou.
O que pode curar a alma, e cura,
É um avô contando histórias,
São memórias, sorvete de chocolate
Toda sorte de coisa inútil
Que as pessoas jogaram, sem pensar,
Pela cerca dos fundos do quintal.
De tudo se cura a alma - e de nada
Se nada for o que faltar.
Namorada faz bem para a alma
Uma canção que fale de amor.
O calor, um poema, uma carta.
Andar de mãos dadas serve,
Esse mar que me olha
E respira, cheio e vazio
Vazio e cheio... o mar.
O que serve para curar a alma
Não cabe em qualquer receita
Alma se cura de tudo – e nada:
De um pouco da tua fala
E, se calas, o teu segredo
Do que foi fora e não devia
Toda sorte de coisa inútil.
Esse mar que me olha e
Respira, vazio e cheio
Cheio e vazio, um rio
Para se nadar, o mar
Que me olha e respira.
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José Blaya Perez Filho, escritor e psiquiatra gaúcho, da geração dos perdidos da década de 1970, já falecido, nos fala da cura da alma neste poema que me mandou a amiga Ruth Mylius Rocha. (Edmar)
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