domingo, 13 de janeiro de 2008

VIZINHO GLOBAL

Geraldo Borges

Moro no centro de Campo Grande, na vila cidade, rua Barão de Melgaço. Todo sábado antes de ir ao sebo Hamurabi vou à loja de carne do Arildo, que fica aqui bem perto, a um quarteirão da minha residência. Um dia chego lá e vejo por detrás do balcão de atendimento, pendurado na parede uma foto bem grande, maior do que essas que a gente vê nos cartazes de cinema: nela brilhava o meu vizinho Arildo e o presidente Bush. Estavam de mãos dadas, se cumprimentando. Não sei dizer quem primeiro estendeu a mão. Os dois sorriam. Era a política da boa vizinhança. Bush apertar a mão de alguém não deixa de ser um gesto político. Para Arildo foi um gesto histórico e cordial que enriqueceu o seu cotidiano, que fez crescer a sua biografia para penhascos nunca dantes sonhados, tanto que ele mandou ampliar a foto e deixou a vista dos fregueses. Nada mais natural e humano, faz parte dos pecados capitais.

A foto me deixou surpreso. Olhei o Arildo, ali detrás de seu balcão, conferi sua presença, a figura real. Era ele mesmo, simpático, de carne e osso, ali em minha frente me passando o troco do preço da carne. Era como se ele disse. Está vendo aí, o homem mais poderoso do mundo me cumprimentando. Disfarcei. Pensei em fazer um comentário sobre o fato. Zombar da situação. Mas não me cabia este direito. Foi -se o tempo em que eu fazia passeata e queimava bandeiras do EUA.

Mas é preciso que o leitor saiba por que aquela foto foi parar na loja de carne do Arildo.Tudo começou quando o presidente Bush veio ao Brasil, precisamente a Brasília, comer um churrasco com o presidente Lula. Arildo conhecido e reconhecido como um bom entendedor na arte de fazer churrasco foi convidado pelo presidente Lula para garantir o sucesso da comilança.Aí se deu a apresentação. E, por conseguinte, como já vimos, apareceu a foto e sua exposição, como uma verdadeira obra de arte na loja.

Passou-se o tempo. E a foto continuou brilhando na loja do Arildo para surpresas de seus fregueses, que foram se acostumando com a nova arrumação do ambiente.

Um dia cheguei na loja. Olhei para a parede, como de costume, e não vi mais a foto. Não vi também o Arildo, em carne e osso. Por onde andaria o Arildo? Perguntei ao seu filho que estava ali no lugar de seu pai atendendo no balcão. ele me disse que o Arildo estava trabalhando na produção, no frigorífico. Pensei em perguntar por que tinham tirado a foto da parede. Mas contive a minha expressão de indelicadeza. teriam tirado por fastio, ou por que teriam atingido um novo nível de consciência política? Não sei.

O que sei mesmo é que um dia desses fui à loja de carne do Arildo, e lá o encontrei. Fazia um bocado de tempo que eu não o via. Dei-lhe bom dia. e nos cumprimentamos. Senti o aperto forte de sua mão. Ele me chamou de mestre. Seu simples freguês, comprador de rabada, alcatra, e outras peças anatômicas do boi. Foi justo neste momento que alguém falou dentro de mim: como este mundo é pequeno. E não sei porque arte de algum espírito zombeteiro me senti deveras importante, importantíssimo, por que tinha apertado a mão de um vizinho que tinha apertado a mão do presidente de um vasto império. E tudo isto aconteceu nos limites do terreiro da minha casa.
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Geraldo Borges, o piauinauta pantaneiro, recebe os cumprimentos do Imperador Bush II no açougue do Arildo, em Campo Grande. Quem manda morar numa aldeia global?

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