Paulo José Cunha
Uma vez, no final dos anos 70, tomei uma cerveja com ele. Estava em Itaituba, interior do Pará, a cidade do ouro, em visita a parentes de minha mulher na época. Meu cunhado tinha um bar, chamado Maracangalha, às margens do Tapajós. Fui lá tomar alguma coisa quando dei de cara com ele, sentado numa mesa, sozinho, uma garrafa de cerveja à frente. Fazia um calor danado, calor amazônico, úmido, forte. Mesmo assim, lembro muito bem, usava camisa preta de mangas compridas.
Aproximei-me, apresentei-me como repórter do Jornal do Brasil. Convidou-me para sentar e me ofereceu um copo.
Durante uma meia hora ou mais, conversamos distraidamente. Falamos de tudo, menos de música. Falamos principalmente de mulheres, a paixão da vida dele. Dizia que ia morrer sem entendê-las, mas mesmo assim continuaria a vida toda fascinado por elas. Dizia que eram a razão de sua existência. E ria, ria muito, descansado. À noite faria um show numa festa, fora contratado por um garimpeiro rico. Contei que uma vez, na Rádio Nacional, em Brasília, onde trabalhei no início da carreira ao lado de Waldyr Azevedo (autor de "Brasileirinho"), havia feito um programa especial sobre ele. Os dados biográficos, obtivera de uma publicação da Abril, que na época vendia em fascículos nas bancas de revista um bolachão médio com uma síntese da obra de cada personagem enfocado. A narração do especial eu havia confiado a um locutor que terminaria sendo apresentador do Jornal Nacional - Celso Freitas, com aquele vozeirão maravilhoso. Perguntou onde poderia conseguir uma cópia do especial, comentando que pouca gente o homenageava dessa forma, pois sempre era alvo de gozação ou de crítica por ser considerado brega. Eu não soube dizer, já fazia tanto tempo. (Eu tinha sido demitido da Rádio Nacional por causa de minhas ligações com o Partido Comunista. Quando trabalhei lá estávamos em pleno governo Médici, auge da repressão).
Despedimo-nos, ele fez questão de pagar a conta, pegou o conhecido chapéu preto, os óculos enormes, e foi embora, sozinho. Não contei a ele, seria uma tremenda descortesia, mas fiz o especial porque queria provocar os militares, botando pra rodar duas vezes no programa a música "Tortura de Amor", que a censura imbecil da época havia proibido só pelo título, um ato falho destamanho. A partir daquela data, passei a vê-lo de outra forma. Até hoje gosto muito de "Tortura de Amor" ("Hoje que a noite está calma/ e que minh'alma esperava por ti/ apareceste afinal/ torturando este ser que te adora..."). É uma canção belíssima. Falam que pode até ter sido escrita por Tom Jobim. Dizem que ele não teria competência para compor uma música tão bonita, e que deve ter comprado de alguém.
Se compôs, parabéns efusivos pra ele. Se comprou, Waldick Soriano tinha um gosto ótimo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário