poema de Augusto de Campos |
(Paulo José Cunha)
A vaia é absoluta. Não existe vaia relativa, meia vaia, vaia
e meia, apenas vaia, pequena ou grande,
curta ou longa: vaia. A vaia é incontrastável, e não comporta argumento em
sentido contrário. Correção: existe, sim, um único argumento contra a vaia: a
força. Mas como força não é argumento, retornamos ao ponto inicial: é
impossível argumentar contra a vaia.
A vaia é a mais democrática ação coletiva. Seu poder reside
na fragilidade de quem vaia. Os autores de uma vaia não querem bater, machucar
nem matar: querem... vaiar.
Axioma: se toda vaia é contra e não existe vaia a favor,
igualmente não existe anti-vaia.
A vaia é sempre dirigida a um núcleo de poder, corporificado
no ente que o exerce. Por isso não existe vaia contra o fraco ou o oprimido.
Detentores de poder nem opressores vaiam, mas são passíveis de ser vaiados.
Toda vaia é coletiva, não se tem notícia de vaia individual.
Portanto, toda vaia expressa uma inconformidade de natureza social, e assim
precisa ser entendida e analisada. A vaia nunca pode ser debitada a um “pequeno
grupo de agitadores”. Se assim fosse, qualquer pessoa no interior de uma
multidão reunida sem motivação reivindicante seria capaz de mobilizá-la e
fazê-la voltar-se, em uníssono, contra algum núcleo de poder. Tal reação não é
automática. Para eclodir e se converter no incêndio da vaia é preciso que o
rastilho encontre condições favoráveis. Seu combustível é algum tipo de inconformidade,
explícita ou latente. Sem isso, o “puxador de vaia” é sancionado pelo grupo,
silenciado ou excluído.
A vaia é a expressão inconsciente de um mal-estar consciente
ou inconsciente. Ela expressa, na forma de onomatopéia uníssona, um sentimento
coletivo de difícil expressão verbal. A propósito: a vaia prescinde da palavra.
É comunicação em estado puro, energia galvanizada instintivamente.
A vaia só funciona em seu momento. Não tem efeito quando
gravada ou relatada. Mas atenção: a vaia reverbera. E tem o incrível poder de
se multiplicar em vaias maiores em intensidade e duração se os fatores que
motivaram o apupo original não forem identificados e eliminados.
A vaia é universal, está presente em todas as culturas. Como
expressão primária e instintiva, é o mais genuíno produto do inconsciente
coletivo. Traduz uma verdade que prescinde de suporte semântico. A vaia é uma
reprovação cuja origem se situa no silêncio individual, mas que só consegue se
expressar de forma coletiva. É como o galo do poema de João Cabral: “Um galo sozinho não tece uma manhã: / ele
precisará sempre de outros galos./ De um que apanhe esse grito que ele/ e o
lance a outro; de um outro galo/ que apanhe o grito que um galo antes/ e o
lance a outro; e de outros galos/ que com muitos outros galos se cruzem/ os
fios de sol de seus gritos de galo(...)”.
Paradoxalmente, a vaia é consagradora: não há registro de
vaias contra anônimos. A única exceção a essa assertiva ocorre quando anônimos
assumem papéis de agentes de um poder opressor, injusto ou impopular (como
aquele alguém que tenta furar a fila ou um policial qualquer numa operação
repressiva.
O aplauso não neutraliza a vaia, apenas a emoldura. E como a
vaia é incontrastável e irreversível, o aplauso não é seu contraponto. Pois é
possível vaiar um aplauso, como é igualmente possível aplaudir uma vaia, mas
nunca vaiar uma vaia, neutralizá-la ou convertê-la em aplauso.
Por último: o aplauso passa, mas toda vaia é eterna e
inesquecível.
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Paulo José Cunha é jornalista
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