(Aderval Borges)
Depois de décadas enfrentando os atropelos das grandes cidades, dona Eugênia e o marido juntaram as aposentadorias e alugaram uma chácara na pequena Indiaporã, no noroeste paulista. Ali ela pôs em prática o sonho de criar aves domésticas: galinhas de várias raças, patos, marrecos, capotes (ou galinha d’angola), codornas, um casal de gansos, um casal de faisões e um único peru. Todos foram trazidos de ônibus em sacolas – ainda pintinhos, claro – de lojas da capital.
O filho mais novo do casal, Valtinho, ainda morava com eles. Logo que assentaram a mudança, o rapaz, que gostava de umas e outras, tratou de se juntar a uma turma local que tinha gostos similares: Zé Tão, Quati, Agenorzinho da Zilda, Amarelo, Meleca e os Primos. “Os Primos” eram dois irmãos figuraças que chamavam todos de primos. E, como tal, a população os chamava igualmente de primos, melhor dizendo, de “Us primu”. Valtinho passou a seguir essa trupe para baixo e para cima. E, como eles, virou habitué das zonas de meretrício da região.
De vez em quando os companheiros apoitavam em sua casa na chácara para esvaziar uns tantos engradados de cerveja. Enquanto papeavam, alguns ficavam de olho naquelas aves todas. Sabiam que dona Eugênia não mandava nenhuma delas para a panela. Nem consumia seus ovos, que eram todos destinados à chocadeira elétrica para aumentar ainda mais o criatório.
Palmito de guariroba, pequis e a galinhada pronta |
Um dos pratos mais saboreados pela culinária regional é galinhada com pequi e palmito de guariroba. Feita em grandes panelas, com diversidade de temperos, dentre os quais muita pimenta bode verde, que dá sabor característico à cozinha caipira. Mas para os caipiras a galinhada só é verdadeira quando elaborada com aves furtadas de algum criatório. O dono das aves é convidado a participar da comilança, mas só fica sabendo que as aves eram suas depois de tê-las digerido.
Enquanto Valtinho e parte da turma jogava conversa fora para distrair dona Eugênia, Zé Tão e os Primos foram para a casa destes preparar o prato. Como reza a tradição, o peru – a essa altura já surrupiado da chácara – devia ser embebedado para amolecer a carne. Para isso, decidiram utilizar pinga artesanal envelhecida em barril de imburana, trazida da cidade de Iturama, no Triângulo Mineiro.
Davam uma dose para o peru e cada um tomava uma da boa pinga. A certa altura, acharam um desperdício dar uma pinga tão qualificada para aquela besta do peru beber e resolveram os três matar o litro de cachaça. Mas tinham outro litro de reserva e decidiram abri-lo também. Enquanto matavam o seguindo litro, continuavam a picar cebolas, alho, pimentões e outros ingredientes.
Dona Eugênia ficou revoltada quando percebeu a armação toda e proibiu os amigos do filho de continuar frequentando a chácara. Agarrou seu mimado peru e bateu para casa junto com o marido. Mais ou menos recuperados do porre, Zé Tão e os Primo desistiram de vez da galinhada, mas propuseram aos amigos um bom programa alternativo: irem todos para o puteiro de uma cidade vizinha celebrar a noite de Natal com aquelas boas senhoras que a todos acolhem, seja nos momentos de euforia ou de fadiga.
Se alguém tiver algum galinheiro para surrupiar umas penosas, segue a relação dos demais ingredientes para a galinhada: arroz lavado, alho, cebola, cenouras raladas, pimentões picados, palmito de guariroba picado, vários frutos de pequi, açafrão da terra, salsa, cheiro verde, pimenta de cheiro e... cachaça da boa.
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