(Edmar Oliveira)
Uma amiga
minha jura que não come caranguejo pela forma cruel como os bichos são mortos.
Estava tentando convencer a ela que existe método menos cruento de matar o
bicho, para satisfazer o meu apetite por caranguejos, quando me veio a
inspiração para essa crônica.
De certo, os
matadores de caranguejos são cruéis. Uma afirmação culinária garante que eles
só servem para a nossa apreciação se cozinhados vivos ou mortos imediatamente
antes de despejados em água fervente! Mas nunca tinha me deixado impressionar,
pois o meu desejo de bater neles, mesmo depois de mortos, pra apreciar sua
minguada carne me fazia esquecer a crueldade, acho.
Minha amiga
tocou num ponto sensível. Aí lembrei que tenho uma filha que herdou meu apetite
pervertido para martelar mais do que comer a deliciosa iguaria. Ela tinha-me
contado que aprendera com uma fazedora de caranguejos que se eles forem
colocados no gelo adormecem como se anestesiados e não sentem a morte no cozimento.
Não sei se a garantia de minha filha é apenas uma desculpa para continuarmos nosso
ritual macabro sem culpa.
Mas eu tentava
convencer minha amiga de outro ritual que fazemos para esquecermos que somos
predadores. Atualmente os cortes de carne, frangos e peixes, expostos nos
supermercados parecem que veem de uma fábrica asséptica de alimentos. Aquele
ambiente é feito para evitar que imaginemos como os animais são mortos. (Tem um
vídeo rolando na internet, que aconselho aos mais sensíveis de nunca verem para
não se tornarem imediatamente vegetarianos).
Tenho a
convicção que a culinária é desenvolvida e fica cada vez mais sofisticada para esquecermos
o nosso passado de predadores comedores de carne. A primeira matança de bois
que vi numa fazenda, em Palmeirais, jamais esqueci. Tinha menos de cinco anos.
Mas assistia aos bois entrarem num corredor sem saída para a machada pesada e o
sangramento final. Fiquei como hipnotizado vendo os bois mansamente irem ao
matadouro sem nenhuma revolta, apesar de eu achar que eles estavam com os olhos
tristes e sabiam o final que os aguardava.
Meu avô era
um matador de bodes. E aprendi com ele o significado de “bom cabrito não berra”.
A ovelha morre mansamente, o cabrito esperneia. Não mais que o porco. Esse
grita, quase como falando e pedindo socorro. Os magarefes italianos
imobilizavam porcos com choque elétrico e Cerletti, o inventor do eletrochoque
na psiquiatria, se inspirou na matança de porcos. Não me perguntem a relação que
ele viu entre porcos e doidos (esta historinha está no meu “von Meduna”).
Sei que o
assunto está ficando pesado para os que não tiveram infância no campo. Isso era
absolutamente normal e não conheço nenhum de nós traumatizados por essas
historinhas que eram fatos banais e corriqueiros nas nossas vidas. Criávamos
porcos, bodes, galinhas nos quintais. E elas nos alimentavam no dia a dia. Acho
que apenas nos aprofundávamos mais na consciência de que somos predadores, o
que hoje passa batido na educação na cidade.
Mas o mais
inusitado ainda está por vir, se é que ainda tem alguém acompanhando este assunto
que pode parecer macabro. Macabro pode ser pra vocês. Pra mim, apenas
lembranças infantis de evocam saudades e afetos.
Minha avó
matava porcos e galinhas para fazer o nosso almoço. Vi muito ela sangrar uma
galinha e colher o sangue no vinagre para fazer um frango ao molho pardo, que
até hoje adoro. Pois bem, uma vez a velha foi fundo demais e cortou – sem querer
– o pescoço da galinha, tirando sua cabeça fora. A galinha saiu andando sem
cabeça caindo mais à frente e eu e minha avó ríamos muito! Quanta mudança para
esses tempos politicamente corretos de agora. Fácil, quando não somos nós que
matamos os animais para a nossa necessária alimentação.
Depois eu
conto a história da minha avó sangrando porco sem eletrochoque! Mas queria que
os mais novos não esquecessem de que ainda somos um predador sobre a terra.
PS1 – O primeiro
cara que inventou de comer um caranguejo, ou estava com uma fome sem tamanho,
ou foi sacanagem de quem já tinha bebido.
PS1 – aos meus
amigos vegetarianos: as plantas sofrem! Imagine uma alface cortada ainda viva
no nosso prato. Não ouvimos os seus gritos porque ela é muda, mas sente quase
tudo que grita um porco ou esperneia um caranguejo numa panela de água fervendo.
Um comentário:
Hahahaha!!!!!!!! Acabei de "decepar" um abacaxi. Que pode me matar com tanto agrotóxico. A vingança dos vegetais. Excelente e macabra crônica.
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