Que horas ela volta? de Anna Muylaert é uma porrada na nossa
formação brasileira, enganosamente cordial. A nossa relação de classe e com o
racismo é cordial enquanto o “outro menor” souber o seu lugar. “Mantenha ela da
porta da cozinha para o quintal” na fala da patroa para que a empregada
mantenha a filha no seu lugar, já que ela estava misturando as coisas e
confundido a “cordialidade” com a “libertinagem”, é o resumo do conturbado
confronto de classes, interpretado fantasticamente por Regina Casé e Camila
Márdila (empregada e sua filha) e a família burguesa paulista vivida por Michel
Joelsas, Lourenço Mutarelli e Karine Teles, esta em perfeita performance como a
burguesa compreensiva e revelada em toda sua crueldade.
O mais não se precisa dizer do filme. Os meus pares
burgueses sempre viveram em casa em que morava uma empregada “tratada como
membro da família”: a escravidão passada ante nossos olhos com um disfarce palatável.
Discutindo o filme com alguns amigos de classe percebi que eles conseguiram
enxergar os outros, nunca eles próprios. Pois eu sofri na pele algumas
situações, apesar da minha consciência política avançada. Percebi que estamos
presos nos grilhões dessa sociedade podre. Ouvi notícias de que o filme
envergonhava brasileiros no exterior. É para envergonhar, de fato!
Mas como disse um amigo, revolucionário era se o filme fosse
pirateado, como “Tropa de Elite”, e fosse visto nos lares das classes que
fornecem as empregadas domésticas para a nossa hipócrita sociedade. Espero que
os cineclubes de comunidades divulguem essa vulgar historieta, que nos dá um
murro na boca do estômago e, talvez, façam as empregadas domésticas terem
coragem de mergulharem na piscina dos patrões e quebrar o encanto da falsa
relação cordial.
Vale ver!
(Edmar Oliveira)
Nenhum comentário:
Postar um comentário