domingo, 4 de outubro de 2015

JANGO - o tabu da ditadura

(Edmar Oliveira)

Conheço vários trabalhos do jornalista Chico Castro. Mas esse tem especial sabor. O meu exemplar com a dedicatória “para o amigo Edmar Oliveira, que neste mesmo bar viu os originais deste livro, com os comprimentos de Chico” é testemunha. Acompanhei parte do trabalho de pesquisa de jornalista que fuça arquivos e descobre pérolas que fogem ao historiador da academia.

Toda vez que Chico vinha ao Rio, tomávamos uma cerveja no fim da tarde e ele me confidenciava sua peregrinação: o insuportável calor da Biblioteca Nacional, as dispendiosas microfilmagens da Fundação Getúlio Vargas, a dificuldade da pesquisa no Arquivo Nacional. Mas quando ele me mostrou os originais, citados no meu exemplar, o sorriso era de quem venceu uma difícil batalha, mas tinha nas mãos o troféu.

E ele já começa o seu livro desafiando os historiadores que separam uma ditadura envergonhada de outra escancarada. Segundo suas consultas nos jornais da época, ela já se fazia mais do que escancarada. O perfil que traça de Castelo Branco é de um aventureiro que não vai largar a mão da espada. É o que diz Amaral Peixoto da fala do General Mourão após o golpe: “Este que está aí (se referindo a Castelo Branco), vai querer ficar, e os senhores vão precisar de mim para tirá-lo”(pg. 261). Mostra que os mesmos que assinaram o AI5 já acompanhavam Castelo. Insinua que a traição aos civis já estava arquitetada.

Faz o acompanhamento dos civis ao golpe militar, a comemoração em Copacabana, onde Brigitte Bardot – hospedada no Copacabana Palace, em férias com um namorado marroquino – teria perguntado se a revolução no Brasil era assim comemorada (como um carnaval!).

Demonstra que o discurso da Central – sempre dito como desencadeador do golpe – não era radical. “Nos termos que foi apresentada” (a Reforma Agrária de Jango) “ela poderia ter sido assinada pelos militares golpistas” (pg. 228). Lembra que o discurso de Jango na Associação dos Sargentos e Suboficiais das Forças Armadas, no Automóvel Club – na véspera do golpe – foi muito mais radical, aventando a hipótese do presidente está sob o efeito da metanfetamina (que Jango usava com frequência para ficar mais alerta). Mas “não foram as reformas, nem a lei de remessa de lucros, nem o comício da Central, nem o motim dos marinheiros, nem a reunião no Automóvel Clube que derrubaram Jango”. Magalhães Pinto (lembram do Banco Nacional?) ficou contra “quando Jango suspendeu o redesconto do Banco do Brasil às instituições bancárias”. Levar a Consolidação das Leis do Trabalho ao campo através do Estatuto do Trabalhador Rural contrariou à elite rural. “Uma ampla frente civil e uma minoria militar preferiram a morte política súbita do presidente” (pg. 267). O Congresso deu o cargo vago antes do levante militar.

Chico vai esmiuçar e levantar a pulga de que “os militares fizeram a revolução sem terem um projeto político para o Brasil. O único objetivo era retirar Jango do poder. Acabaram por fazer o jogo das elites brasileiras: ser a maior beneficiária das desigualdades sociais”(pg. 265). Na verdade era o clamor das elites contra a melhora das classes desfavorecidas, que achavam contidas nas reformas prometidas, que levou os civis a quererem a saída de Jango. Os militares montaram o cavalo oferecido.

Com o faro do jornalista aguçado, Chico Castro vai pegar na imprensa de ontem o que ecoa hoje na mídia. Os jornais não mudaram de donos e servem aos mesmos patrões. Na pagina 111, Chico acha nos jornais a seguinte sinuca de bico oferecida a Jango: “se aderisse à política de não oferecer mais créditos a fundos especulativos, perderia o apoio de poderosos grupos financeiros; se atendesse às demandas populares, certamente aumentaria ainda mais os rombos das contas públicas”. Qualquer semelhança com a situação atual seria mera coincidência? E a constatação de que grupos de esquerda e de direita viviam às turras e provocações? “Quem não era fascista, era comunista; quem não era comunista, era fascista” (pg 151). Troque por “coxinha” e “petralha” e teremos a intolerância atual.

As elites retrógradas e os militares golpistas tinham por finalidade retirar o trabalhismo do cenário político brasileiro, pondo para debaixo do tapete as demandas populares, em favor dos privilégios nunca derrogados dos grupos que sempre deram sustentação à República” (pg. 169). Substitua “militares golpistas” por “parlamentares golpistas” e hoje vemos uma presidente entregando todo o poder para “grupos que sempre deram sustentação à República”. Uma presidente que não mais governa, ficando entre a renúncia e ao impeachment. Jango se repetindo como farsa.

O livro de Chico é muito interessante, apesar das inúmeras obras escritas sobre o período. Tem uma ótica nova, pela lente do jornalista que fuça a história. Até no aliciamento que a direita sabe fazer aos intelectuais ou como eles se prestam voluntariamente ao papel de defensores da elite. O IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (patrocinado pelos EEUU e dirigido por Golbery do Couto e Silva) – juntava os intelectuais para minar o governo Goulart, dentre eles Rachel de Queiróz, Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt, Nélida Piñon, Gilberto Freire, Alceu Amoroso Lima, Odylo Costa Filho, Jean Mazon (Canal 100, lembram?), Julio Mesquita (Estadão) Wilson Figueiredo (JB) (pg. 90). Com o tempo alguns foram apagando esse passado cinzento e outros trabalhando mais pela ditadura. Na farsa repetida na história de hoje temos Ferreira Goulart, Arnaldo Jabor, Nelson Mota, Fernando Gabeira, quatro cavaleiros do apocalipse – entre outros tantos – que já não terão tempo de apagar o passado que escolheram ao final da vida.

Por essas e por tantas outras razões é bom ler, nesse momento histórico, o livro de Chico Castro.

PS – acompanha um rico anexo com documentos e fotos de época.
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JOÃO GOULART – o tabu da ditadura

Ed.Nova Aliança, Pi, 2014, 336 p.








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