(Edmar Oliveira)
Conheço vários trabalhos do jornalista Chico Castro. Mas
esse tem especial sabor. O meu exemplar com a dedicatória “para o amigo Edmar Oliveira, que neste mesmo bar viu os originais deste
livro, com os comprimentos de Chico” é testemunha. Acompanhei parte do
trabalho de pesquisa de jornalista que fuça arquivos e descobre pérolas que
fogem ao historiador da academia.
Toda vez que Chico vinha ao Rio, tomávamos uma cerveja no
fim da tarde e ele me confidenciava sua peregrinação: o insuportável calor da
Biblioteca Nacional, as dispendiosas microfilmagens da Fundação Getúlio Vargas,
a dificuldade da pesquisa no Arquivo Nacional. Mas quando ele me mostrou os
originais, citados no meu exemplar, o sorriso era de quem venceu uma difícil
batalha, mas tinha nas mãos o troféu.
E ele já começa o seu livro desafiando os historiadores que
separam uma ditadura envergonhada de outra escancarada. Segundo suas consultas
nos jornais da época, ela já se fazia mais do que escancarada. O perfil que
traça de Castelo Branco é de um aventureiro que não vai largar a mão da espada.
É o que diz Amaral Peixoto da fala do General Mourão após o golpe: “Este que está aí (se referindo a Castelo
Branco), vai querer ficar, e os senhores vão precisar de mim para tirá-lo”(pg.
261). Mostra que os mesmos que assinaram o AI5 já acompanhavam Castelo. Insinua
que a traição aos civis já estava arquitetada.
Faz o acompanhamento dos civis ao golpe militar, a
comemoração em Copacabana, onde Brigitte Bardot – hospedada no Copacabana
Palace, em férias com um namorado marroquino – teria perguntado se a revolução
no Brasil era assim comemorada (como um carnaval!).
Demonstra que o discurso da Central – sempre dito como
desencadeador do golpe – não era radical. “Nos
termos que foi apresentada” (a Reforma Agrária de Jango) “ela poderia ter sido assinada pelos
militares golpistas” (pg. 228). Lembra que o discurso de Jango na
Associação dos Sargentos e Suboficiais das Forças Armadas, no Automóvel Club –
na véspera do golpe – foi muito mais radical, aventando a hipótese do
presidente está sob o efeito da metanfetamina (que Jango usava com frequência
para ficar mais alerta). Mas “não foram
as reformas, nem a lei de remessa de lucros, nem o comício da Central, nem o
motim dos marinheiros, nem a reunião no Automóvel Clube que derrubaram Jango”.
Magalhães Pinto (lembram do Banco Nacional?) ficou contra “quando Jango suspendeu o redesconto do Banco do Brasil às instituições
bancárias”. Levar a Consolidação das Leis do Trabalho ao campo através do
Estatuto do Trabalhador Rural contrariou à elite rural. “Uma ampla frente civil e uma minoria militar preferiram a morte
política súbita do presidente” (pg. 267). O Congresso deu o cargo vago
antes do levante militar.
Chico vai esmiuçar e levantar a pulga de que “os militares fizeram a revolução sem terem
um projeto político para o Brasil. O único objetivo era retirar Jango do poder.
Acabaram por fazer o jogo das elites brasileiras: ser a maior beneficiária das
desigualdades sociais”(pg. 265). Na verdade era o clamor das elites contra
a melhora das classes desfavorecidas, que achavam contidas nas reformas
prometidas, que levou os civis a quererem a saída de Jango. Os militares montaram
o cavalo oferecido.
Com o faro do jornalista aguçado, Chico Castro vai pegar na
imprensa de ontem o que ecoa hoje na mídia. Os jornais não mudaram de donos e
servem aos mesmos patrões. Na pagina 111, Chico acha nos jornais a seguinte
sinuca de bico oferecida a Jango: “se
aderisse à política de não oferecer mais créditos a fundos especulativos,
perderia o apoio de poderosos grupos financeiros; se atendesse às demandas
populares, certamente aumentaria ainda mais os rombos das contas públicas”.
Qualquer semelhança com a situação atual seria mera coincidência? E a constatação
de que grupos de esquerda e de direita viviam às turras e provocações? “Quem não era fascista, era comunista; quem
não era comunista, era fascista” (pg 151). Troque por “coxinha” e “petralha”
e teremos a intolerância atual.
“As elites retrógradas
e os militares golpistas tinham por finalidade retirar o trabalhismo do cenário
político brasileiro, pondo para debaixo do tapete as demandas populares, em
favor dos privilégios nunca derrogados dos grupos que sempre deram sustentação
à República” (pg. 169). Substitua “militares golpistas” por “parlamentares
golpistas” e hoje vemos uma presidente entregando todo o poder para “grupos que
sempre deram sustentação à República”. Uma presidente que não mais governa,
ficando entre a renúncia e ao impeachment. Jango se repetindo como farsa.
O livro de Chico é muito interessante, apesar das inúmeras
obras escritas sobre o período. Tem uma ótica nova, pela lente do jornalista
que fuça a história. Até no aliciamento que a direita sabe fazer aos
intelectuais ou como eles se prestam voluntariamente ao papel de defensores da
elite. O IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (patrocinado pelos
EEUU e dirigido por Golbery do Couto e Silva) – juntava os intelectuais para
minar o governo Goulart, dentre eles Rachel de Queiróz, Manuel Bandeira,
Augusto Frederico Schmidt, Nélida Piñon, Gilberto Freire, Alceu Amoroso Lima,
Odylo Costa Filho, Jean Mazon (Canal 100, lembram?), Julio Mesquita (Estadão)
Wilson Figueiredo (JB) (pg. 90). Com o tempo alguns foram apagando esse passado
cinzento e outros trabalhando mais pela ditadura. Na farsa repetida na história
de hoje temos Ferreira Goulart, Arnaldo Jabor, Nelson Mota, Fernando Gabeira,
quatro cavaleiros do apocalipse – entre outros tantos – que já não terão tempo
de apagar o passado que escolheram ao final da vida.
Por essas e por tantas outras razões é bom ler, nesse
momento histórico, o livro de Chico Castro.
PS – acompanha um rico anexo com documentos e fotos de
época.
_________________
JOÃO GOULART – o tabu da ditadura
Ed.Nova Aliança, Pi, 2014, 336 p.
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