(Edmar Oliveira)
Estou muito transtornado com esta páscoa ensanguentada. Trabalho numa comunidade vizinha ao Alemão. São todas parecidas, Alemão, Jacarezinho, Manguinhos. São habitadas por pobres, negros e nordestinos. E a polícia não respeita estes habitantes. Os direitos humanos dos quais se falam no asfalto não existe naqueles lugares. A polícia trata a todos como se fossem traficantes, bandidos. É sentida em cada fala o medo da polícia, que os tratam como se fossem inimigos. Há pouco tempo, na comunidade em que trabalho um adolescente foi morto pela polícia à queima roupa. Recentemente um menino já mortalmente baleado respondia ao policial porque estava correndo (a corrida foi o motivo do tiro):
- Estava brincando, senhor!
A brincadeira de pique-esconde foi a causa da morte daquela criança. Que ainda gravou com o seu smartphone a própria agonia enquanto morria.
- Estava brincando, senhor!
Mesmo morrendo ainda respeitava aquela autoridade, que deveria proteger sua inocente brincadeira, mas que a interpretou como o inimigo em fuga. E mesmo fugindo foi alvejado, isto é, de forma covarde e não recomendada nos manuais militares. Qual a culpa daquela criança? Espero que este policial ouça sempre na sua consciência o eco daquela voz pedindo desculpa por estar morrendo.
- Estava brincando, senhor!
Agora, na páscoa, numa sexta feira que deveria ser santa, uma criança de apenas dez anos encontrou a morte num tiro de um fuzil de uma guerra que não era sua. Eduardo era um excelente aluno. Era a esperança de redenção da sina daquela família que veio do Piauí em busca de vida melhor. O pai um migrante nordestino, como também sou. Também do Piauí. Com trajetória de migração semelhante a dos seus pais, Eduardo podia ser meu filho.
Mas eu moro no asfalto, quase em frente à residência oficial do governador. Uma viatura policial está na frente do meu prédio 24 horas por dia. Eu faço parte da sociedade, na qual essa democracia grega coloca a polícia para minha proteção e a me tratar bem. O pai de Eduardo, o meu conterrâneo, não tem essa mesma proteção. A polícia acha que se Eduardo crescer será um criminoso. Eduardo estudava, era um excelente aluno, e a mãe estava fazendo uma economia para matriculá-lo num curso de inglês, que ele tanto queria.
A comunidade do alemão agitou panos brancos nas janelas querendo paz nessa páscoa ensanguentada. E sonhando em poder gritar para a polícia parar de atirar.
- Eles estão só brincando, senhor!
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Esta crônica foi publicada no dia de Páscoa nas redes sociais. Aqui republicada em respeito aos leitores que ainda se recusam a cair nessas redes. Tem os que ainda estão no tempo do e-mail. Consigo chamá-los para o blog. Depois do whatsapp, do messenger e outros aplicativos de visão imediata os e-mails ficaram obsoletos. Mas respeito os que não se fazem acompanhar dessa liquidez dos tempos modernos.
Desenho 1000TOM
Um comentário:
Sou dessas pessoas que quer distãncia das redes sociais, por inúmeros motivos, alguns nem tão nobres,no entanto,leio jornais, embora já queira deixar também,mas principalmente,vivo nesse mundo,mesmo que no lado bom dele, e nada disso me impede de sentir profundamente a dor de tanta injustiça social e dessa mãe e desse pai pela perda absurda e irreparável. A liquidez dos tempos modernos não dá solução pra isso, não dá solução pra nada.
Lelê
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