domingo, 19 de outubro de 2014

MEDO DO PASSADO

(Edmar Oliveira)
a TFP em Botafogo e o esgoto da intolerância

Não esperava viver para testemunhar um novo ciclo da história. Como sempre gostei da matéria na escola, aprendi esses ciclos nos livros. A UDN, liberal e golpista, tentou um golpe de estado que o suicídio de Getúlio evitou por dez anos. Mas conseguiu aplicar o golpe em Jango e entregar o governo ao militares. E foram esses anos de chumbo que vivi. Eu só tinha treze anos, mas, mesmo morando no nordeste, vi o céu escurecer, as liberdades acabarem, os reacionários mandarem, a igreja aumentando os pecados e restringindo o livre arbítrio, a TFP (Tradição, Família e Propriedade) com seus estandartes medievais, pregando os valores conservadores da sociedade, ficaram na minha retina como um símbolo de defesa das tradições imutáveis. Com a morte de Edson Luís descobrimos que pagaríamos caro para sair do manto da repressão e do horror.

Mas brigamos. Muitos morreram nos ideais da juventude. Uma geração foi torturada e massacrada nos porões da ditadura. Outros protestaram com seus cabelos longos, suas roupas extravagantes. Protestando como podiam fizeram música, escreveram, fumaram maconha. Por vinte anos mergulhamos nos anos de chumbo até o alvorecer da redemocratização e suas conquistas. E foram muitas. E foi ver de novo o céu brilhar no azul dos ideais juvenis que amadureceram.

Mas já fazem 50 anos do golpe da intolerância. A lembrança foi esquecida e só alguns velhos falam desse tempo. E sem saber, os gestos do passado são repetidos, como que para dizer que o ciclo pode recomeçar. Nesses tempos eleitorais a política do ódio impera. Não há argumentos, ou somos vermelhos ou azuis. E o outro não tem razão, pois a razão está do nosso lado. Me afastei dessa discussão maniqueísta e infértil. Mas alguns acontecimentos desta semana me fizeram um medo da intolerância que vivi aos treze anos:

1). O colunista da Folha, Gregório Duvivier, escreveu em sua coluna que voltava para casa no Leblon à pé e uma enorme SUV buzinou para chamar sua atenção e um sujeito bota a cabeça pra fora e berra: “Vaza PT! Volta pra Cuba”. Relata que nos postes cartazes ameaçam: “Aqui se vota Aécio”. Duvivier escreve na grande imprensa e não é petista. A marca da intolerância na zona sul é evidente.

2). O blog de Mauro Magalhães informa que num boteco da zona sul foi gritado esta pérola da intolerância: “Preto tem que morrer na África. Vem fazer o quê aqui?” – referente ao atendimento no Rio do africano suspeito de contaminação por Ebola.

3). Fotos da TFP postadas na internet nas ruas do Rio. As tradições imutáveis dos meus treze anos – que haviam sido derrotadas – voltaram à luz do sol? Foram exatamente essas fotos que me fizeram o medo voltar. Eles estão reaparecendo com os mesmos estandartes do passado que me assustaram tanto.

Os vermelhos brigam e se dividem como sempre. Os azuis aglutinam, mas é muito perigoso esse apoio da intolerância.

Um amigo psicanalista vaticinou: “Freud diz que a paranoia decompõe ali onde a histeria condensa. Será que devo entender que a direita é histérica e a esquerda paranoica?”


Não sei se estou paranoico, mas acho que a intolerância está histérica e se aproveitando da candidatura azul para tentar recomeçar um novo ciclo da história. Batendo na madeira, três vezes...




Um comentário:

Anônimo disse...


Não nos deixe por muito tempo Piauinauta. É que assusta tanto esse mundo à nossa volta... aqui temos um cantinho de almas afins, um lugar pra respirar...

Lelê