(Edmar Oliveira)
Eu tinha que prometer. Minha mãe ficava cobrando desde
sábado. E, no domingo, enquanto não fosse, ouvia a cobrança, quantas badaladas
o sino dobrava. E, naqueles tempos – não sei se agora –, o domingo era dado às
missas o dia todo. De forma que eu só ficava livre das badaladas e de minha mãe
a cobrar, depois de ter ido à missa. Portanto, desenvolvi um hábito, que
conservo até hoje, de acordar cedo no domingo, muito cedo. Naquele tempo era
para ir logo à missa, de cinco ou seis horas da manhã, e ficar com um domingo
espichado pra fazer as brincadeiras que só existem hoje na minha imaginação:
jogar futebol, banhar no rio, caçar passarinho com baladeira, jogar pião,
triângulo (só quando chovia e a terra ficava molhada), banhar na chuva (quando
tinha), subir no pé de pitomba da dona Zelina e fazer a festa, brincar de
pique-esconde, de bombaquim, ir ter com as meninas na pracinha, de tardinha.
Hoje, não sei por que acordo cedo. Nem vou à missa, nem brinco mais. Daquela
obrigação só ficou o acordar cedo.
Pensava nisso, depois de lembrar que no domingo vou, como
todo mundo, às urnas. Confesso que desta vez vou como quando ia pra missa. Meio
que na obrigação. É dessa sensação que quero falar, talvez com meus botões.
Me fiz militante da esquerda, que na ditadura constituiu
minha formação democrática. Gritei pelas liberdades nas diretas já, ansiei pela
democracia como que para respirar. Participei das campanhas embandeiradas dos
primeiros momentos da democracia reconstituída, senti uma sensação de
embriaguez cívica na primeira eleição do Lula. E o que aconteceu comigo, após
apenas vinte e poucos anos da jovem democracia? O problema, se fosse só comigo,
não tinha a mínima importância. Mas olho ao lado e eu não vejo mais ninguém
embandeirado daquelas eleições, que marcavam o matiz ideológico nas defesas de
propostas. Os meninos e meninas que seguram os galhardetes dos candidatos são
os mesmos que distribuem panfletos de lançamentos imobiliários nos sinais. Como
as propagandas só podem ser afixadas nas fachadas das casas, vi uma, no
subúrbio, com dois candidatos a prefeito de partidos diferentes. Numa clara
alusão ao aluguel comercial do espaço e não na proposta dos simpatizantes,
imaginada pelo Tribunal Regional Eleitoral.
A democracia virou uma mercadoria, como outra qualquer, no
neoliberalismo. Os interesses das corporações são os definitivos, no jogo
eleitoral. Fica parecendo tudo igual, apesar das preferências de uns e outros.
E é claro que sou uns e prefiro outros. Continuo defendendo um rumo melhor para
a humanidade, mesmo nessa democracia esmaecida no arco-íris ideológico.
A socialdemocracia brasileira fez uma opção preferencial
numa aliança com a direita, herdeira da ditadura. O partido de esquerda, para
enfrentar a força avassaladora do seu contrário, aliou-se aos não-ideológicos,
que se apropriaram da máquina corruptora, também herança da ditadura. A
diferença vai diminuindo. E isso é ruim. Daqui a pouco teremos um elefante e um
jegue, que representam o fim da democracia nos EEUU.
Quero errar nessas conjecturas. Espero uma análise política
que me devolva o ânimo perdido. Mas que nesta eleição vou como ia à missa, ah,
isso eu vou! E cedo, para que o domingo fique maior, que eu vou inventar umas
brincadeiras...
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Crônica publicada aqui em 02 de outubro de 2008, daí a
citação dos cartazes para a eleição de prefeitos. Essa de hoje é uma eleição
maior, mas o meu ânimo é o mesmo daquele tempo. Portanto repito a crônica. E a
igreja é a do Amparo, onde o Piauinauta ia votar na fé que acabou na urna...
3 comentários:
Você é o máximo! Que sua brincadeira seja escrever mais para nos deliciarmos com a leitura. Um abraço. E se quiser vamos combinar outro Seminário aqui em Nova Iguaçu.
Aqui em São Paulo, o clima é de apatia total. Discrença e indiferença com o rumo político. Compartilho desse sentimento. Costumamos dizer que o que vier é lucro, aqui, nem lucro nem perda. Resta a quem tem paixão por alguma coisa, brincar. É o que venho fazendo e pelo visto, você também, que bom.
Lelê
Ai, que preguiça de arrumar meus erros de português, meu Deus. Vá lá: descrença. Pronto.
Lelê
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