domingo, 16 de março de 2014

Quaresmeiras


(Edmar Oliveira)
 
Depois da quarta feira das cinzas vem a quaresma. São quarenta dias cristãos até a páscoa que, tomada dos judeus, ressuscita o Cristo. Criado por uma mãe católica não conseguia entender os santos cobertos por panos roxos, nesse período. Dizem que já não é mais obrigatório, mas no meu tempo era. Ficava me interrogando se os santos estavam com vergonha do carnaval. Depois fui associando aquela cor roxa ao martírio do Cristo morto na paixão. Algo muito triste e cadavérico representava essa cor para mim. Depois perdi a fé e isso ficou sem muita importância.

Mais importância ganhou uma árvore que a natureza enfeita de roxo nesse período. A quaresmeira. Já a conhecia nos cafundós dos palmeirais e da barreirinha. Quando descia a serra de Petrópolis, já aqui no Rio, me encantavam as quaresmeiras que via pelo caminho. Mas nada igual a que tinha no quintal da minha avó: era uma árvore sagrada. As flores da quaresmeira enfeitavam a casa na quaresma. E, nas noites que rolava um terço, as vozes das mulheres tinham o perfume da flor da quaresmeira e me embalavam os sonhos.

Depois eu tive notícias de uma quaresmeira branca e até mesmo de uma “mutantis” que conjuminam as cores branca, rosa e roxa. Mas essas o povo chama de manacá da serra e só existe nos estados do sudeste e do sul. Entretanto, é da mesma qualidade da quaresmeira, que, segundo a ciência, flora duas ou três vezes no ano e não só na quaresma. Mas eu tenho uma certeza afetiva que a da minha avó só florava na quaresma, acompanhada de jaculatórios em orações vespertinas na luz de vela do lusco-fusco do entardecer.

Esse ano, entretanto, elas já deram o ar de sua graça, as flores já caíram e murcharam, agora só na próxima quaresma. Aconteceu de a quaresma deste ano ser muito arrastada para uma paixão que só acontece em abril. Aí já não vai ter nem o cheiro da flor. Não sei se a ciência explica ou se as quaresmeiras perderam a fé, que nem eu.   



 

3 comentários:

Anônimo disse...

Genial texto Edmar, como tantos outros seus.
Remeti-me ao meu Chabocão com história, menos em relação as "quaresmeiras", porque lá o que temos são pés de "ficus".
Chico Salles.

ecosteira disse...

Adorei! Também amo as quaresmeiras! Grande abraço

Cristina Fernand disse...

Belo texto....me levou a um outro olhar na quaresmeira do meu jardim , que está florida e bonita como suas palavras! Espero que minhas crianças tenham recordações boas assim!