(Edmar
Oliveira)
Saía um vapor do cais do Parnaíba, que nem trem,
puxando várias barcaças. Carregado de gêneros de primeiras necessidades. Como
se fosse uma mercearia deslizando no rio. Sabão, óleo, açúcar, sal, e umas
brevidades que a cidade anunciava estavam no balcão flutuante. A tarefa era
trocar estas mercadorias por coco babaçu e cera de carnaúba, que seriam
beneficiados na capital e eram artigos de grande valia. O comboio subia o rio
por uma margem e voltava pela outra. Escambo era a forma econômica de então.
Não tinha dinheiro na transação. O convencimento, a barganha, o espírito do árabe
que habita cada nordestino fazia o acontecer do toma-lá-dá-cá, das negociações.
Ia uma barca mercearia, voltava uma barcaça de matéria prima pros ingleses que
exploravam os nativos. Meu velho pai fazia o papel do representante do inglês.
Enrolando seus conterrâneos, com certeza. Só quem não conhece a leis da
economia acha correção no comportamento dos negociantes. Quem se deu bem conta
a história, quem fracassou, nem sei.
E
lá se ia o vapor e seus vagões. Barcaça seca, barcaça cheia, sempre que mais cheia
do que veio. O querosene valia muito mais que o babaçu. E quem pesava tava
quase sempre na barca, não na terra. Me lembro destas viagens, nas que
acompanhei meu pai, e do rio. O Parnaíba parecia um mar. Talvez na minha
imaginação, mas com certeza no avançar das águas que ainda não tinham sido
presas na Barragem de Boa Esperança, que acabou com a esperança do rio correr
pro mar e carregar o vapor e as barcaças.
Ainda
me lembro dos vapores de passageiros. O mais famoso deles era o vapor do
Rafael. Não sei quem era o Rafael, mas certamente ele tinha orgulho de sua
propriedade para botar seu nome no casco. Os vapores eram de aço com uma
chaminé fumarenta que apitava na chegada e na saída do porto. Um verdadeiro
navio com um convés cheio de redes, balaios com galinhas, potes de barro, malas
de couro. Mas um luxo a viagem! Nem todo mundo podia viajar de vapor. De
Palmeirais a Teresina era rápido. Voltar contra a correnteza levava mais que o
dia todo. Quando me perguntam se nunca fiz um cruzeiro conto as aventuras no
Parnaíba. Pobre ia às balsas desfraldadas, feitas com buriti e com uma casinha
de palha de coqueiro. E lá iam os balaios de galinhas, potes e outras cerâmicas
de barro, bacuri, pequi, pitomba, macaxeira e verduras, que eram
comercializados no cais de Teresina. Inclusive as balsas eram desmanchadas e
vendia-se até os paus de buriti (pra fazer cerca ou gaiola) e a cobertura de
palha, já que balsa só desce o rio e não tem viagem de volta. O retorno era no
pau-de-arara ou no lombo de burro. Eu tinha loucura pra viajar numa balsa, mas
nunca tive o desejo realizado.
Diziam
que estes pequenos e valentes navios eram fabricados na Inglaterra e vinham
navegando até o delta do Parnaíba, onde entravam sertão adentro para fazer do
rio uma estrada. E neles viajei muito. Conhecia aquelas beiras de rio, seus
povoados, pescadores e lavadeiras olhando do alto do convés do vapor ou de
dentro de uma barcaça puxada por um vapor de carga, que funcionava como
locomotiva das águas.
Lembro
destas histórias porque outro dia olhava o rio do cais de Teresina. E ele
parecia me dizer o quanto estava sofrendo. Os bancos de areia, que nós chamamos
de crôa ou coroa, pareciam sufocar o rio. O assoreamento de suas margens, o
correr vagaroso do rio, parecem sinais clínicos de falta de ar. O odor fétido
de suas outrora luminosas águas anuncia uma grave doença. Desde que prenderam
suas águas em Boa Esperança o rio vem perdendo a esperança de viver. Parece que
vai morrer. E isto dói muito em mim...
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Crônica publicada em maio de 2008 aqui no Piauinauta.
Fotos colorida do site acessepiauí: o cais do Parnaíba onde chegavam e saiam os vapores. O rio agora agoniza. Fotos antigas retiradas da página do facebook "Teresina Meu Amor".
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Crônica publicada em maio de 2008 aqui no Piauinauta.
Fotos colorida do site acessepiauí: o cais do Parnaíba onde chegavam e saiam os vapores. O rio agora agoniza. Fotos antigas retiradas da página do facebook "Teresina Meu Amor".
5 comentários:
Rio Parnaíba, nosso "mississipi" em chamas...
Existe um navio desses afundado na região Magalhães de Almeida.
Existe um navio desse afundado na região de Magalhães de Almeida ma.
Essas histórias são muito importantes. O rio Parnaíba, o meu Piauí de outrora. Todos que já passaram por este estado Nordestino. Enfim; estas são as belas histórias do meu Piauí. Os meus conterrâneos e muitos e muitos outros que já se foram. Isso sem falar nos meus antepassados. Minha árvore genealógica. É isso aí. DEUS Abençoe o meu Estado do Piauí.
Alguém sabe o q aconteceu com essa barcacao? Dizem q ela afundou na região entre Piauí e Maranhão prox.a caraibas do Norte, será VERDADE?
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