domingo, 10 de novembro de 2013

VERDADES E MENTIRAS NA LITERATURA

(Luíz Horácio)

 

Um livro de leitor. De leitor exigente. Lado A

Um livro de professor. De mestre em radicalismos. Lado B

Verdades e mentiras na literatura se justifica, graças a seu lado A. Recomenda-se leitura de olhos bem abertos. Partículas maniqueístas pululam ao longo de Verdades e mentiras na literatura.

É preciso estar atento e forte, aconselhou Gilberto Gil em Divino maravilhoso.  Mais adiante, o  alerta: tudo é perigoso.

O autor Stephen Vizinczey é húngaro. Nasceu em 1933. Jovem escreveu peças teatrais. Suas peças costumavam ser proibidas pelo regime comunista, o que não impediu  A Última Palavra, sua segunda peça, de receber o prêmio Attila József. Diz o autor que, certa vez, enquanto ensaiavam, receberam  a visita da  polícia política. Esta, não satisfeita com a "confraternização" , levou algumas lembranças: para ser exato, carregou os cenários, os figurinos. Vizinczey não tardaria a fugir  para o Ocidente.

No Canadá, sem saber falar inglês, viu-se obrigado a aprender. E aprendeu tão bem, a luta pela sobrevivência é o melhor dos métodos, que  logo a sobrevivência resultava dos argumentos que escrevia para filmes.  

Não tardaria a escrever romances, ensaios, resenhas.

Verdades e mentiras na literatura reúne textos anteriormente publicados em jornais e revistas. Trata-se de uma coletânea que merece redobrada atenção. Apresenta uma face bobinha, aparentemente ingênua, porém perigosa, e uma face arrogante, pretensiosa, extremamente bem articulada, mas como diz um amigo, “as serpentes também são muito bem articuladas.” Recomenda este aprendiz: aprecie com moderação, não se deixe impressionar. 

Comecemos pelo lado B, Os Dez Mandamentos de um Escritor, não fosse a grandiosidade do lado A estas dez bobagens arrogantes jogaria o livro no esgoto. Vale a leitura pelo lado cômico, ingênuo, piegas, encare como uma negação do primeiro mandamento; Não beberás, não fumarás nem usarás drogas.

Dito desse modo, sem dar exemplos, corro o risco parecer  sob efeito de duas das mais potentes drogas, inveja e arrogância.

Enganou-se deploravelmente, impaciente leitor, caso tenha sentido falta da  mediocridade. Esta não é droga, é componente de minha essência.

O primeiro mandamento é constrangedor, conhecemos inúmeros bons escritores que fumam, muitos que bebem e outros que se drogam. Por vezes ocorrem num mesmo sujeito. Não fazer uso dessas três “ferramentas” não significa ser bom escritor.

Segundo mandamento: Não terás hábitos dispendiosos. Alguém pode explicar onde isso tem a ver com escrever bem ou mal?

Diz Vizinczey: É preciso decidir sobre o que é mais importante para você: viver bem ou escrever bem.

Essa afirmação é de uma estupidez constrangedora. Aproveito para dar um aviso aos editores e editoras: desprezem todo original não oriundo de regiões miseráveis. Dia desses fiquei sabendo que Madagascar é o lugar mais pobre do nosso globo. Pelo visto deve estar repleto de grandes escritores.

Perdoe, caro leitor de espírito elevado, mas a irritação se aproxima, em vista disso não tomarei seu tempo com todos os mandamentos, mas....no quarto mandamento você encontrará Não serás vaidoso, no quinto o autor lhe recomendará, Não serás modesto.



Menos mal que são dez mandamentos, dez patéticos mandamentos. Condição para levá-los a sério: ter no máximo dez anos de idade e ostentar analfabetismo no mais alto grau de convicção.

Ultrapassada a arrebentação,  o leitor encontrará a erudição inquieta de Vizinczey,  então se perguntará como ele foi capaz cometer aqueles dez mandamentos imbecis.

Aproveito para fazer uma pergunta, atento leitor: por que raios escritores gostam tanto, ou pelo menos se arvoram nesse direito, de ensinar a escrever? Nem artistas plásticos apreciam tanto essa atividade. Com a quase erradicação dos cursos de corte e costura, o terreno foi invadido pelos escritores/professores.

Percebe-se nitidamente sua admiração por Stendhal, admiração que permite leve consideração a Balzac e quase esquecimento de Flaubert.

Vizinczey parece não conseguir desapegar  da  pieguice, perceba, apesar da devoção por Stendhal como ele começa o ensaio. Voilá:  Stendhal é um desses raros espítiros que nunca param de desejar estar vivos, estar apaixonados, estar livres. Estes três desejos dominam suas obras.

 


Vale lembrar que a leitura de Verdades e mentiras na literatura deve ser efetuada com extremo cuidado e sempre de forma criteriosa. Percebe-se a indisfarçável pretensão  de SV de assumir a “persona” de bússola a orientar não apenas o aspirante a escritor, mas também ditar normas acerca de como se deve receber a literatura. Caberá a você, criterioso leitor, aceitá-las. Caso aceite incondicionalmente saiba que está a permitir que alguém lhe informe o que vem a ser  bom gosto em literatura. Pelo menos na literatura européia e americana. Parte da literatura europeia e americana. Parte escolhida pelo autor. O que enseja miríades de controvérsias.

Cabe lembrar a você leitor, que também lê no idioma de Rabelais, a leitura de Des mystications littéraires, de Jacques Finné. Compare e depois conversaremos.

Para encerrar, Verdades e mentiras na literatura é o retrato da intransigência de Vizinczey, se desmistifica determinados aspectos da literatura também demonstra sua agressividade, sua inteligência e seu idealismo piegas.

Verdades e mentiras é um livro pretensioso, arrogante, aparentemente sincero, feito este texto que você acaba de ler. Não deve ser levado  muito a sério.  

 

AUTOR 

 Stephen Vizinczey nasceu na Hungria em 1933. É autor de diversos livros, entre eles In praise of older women, editado em 21 países e ganhador, em 2004, do Prêmio Elba, na Itália.

 


TRECHO

A verdadeira grandeza é como o infinito, não conseguimos medi-la. Em geral, as tentativas de avaliar as obras de arte prejudicam até mesmo nossa capacidade de apreciá-las. Ao tratar os êxitos criativos como se fossem panoramas sociológicos ou históricos, ou exercícios de intenções piedosas, boa parte da erudição literária é empregada para destruir a distinção vital entre o ordinário e o extraordinário - um tipo de incompreensão bárbara que descreveria o olhar de uma mulher dizendo que ela  tinha visão 20/20. No entanto,essa  seriedade pedestre, que Stendhal foi o primeiro a reconhecer como o mal da cultura moderna, domina o ensino hoje em dia, e tem como resultado o fato de que só os leitores com sensibilidades indestrutíveis conseguem sobreviver e formar uma cultura literária.. O ensino de literatura é o principal instrumento para alijar os jovens da boa prosa e particularmente dos clássicos. As aulas pedantes sobre o brilhante retrato que esse ou aquele romancista fez de uma época passada propagam a falácia de que os grandes autores do passado escreveram sobre coisas mortas e enterradas.

Mas a calúnia é a verdade mal aplicada. O que confere perene credibilidade ao indevido tratamento sócio - histórico - moralista das obras de arte literárias é a abundância de romancistas datados que foram pouco mais do que cronistas de sua sociedade e honrados porta-vozes da desilusão dela. Tais escritores sofreram, se não de falta de talento, ao menos de uma overdose de sua cultura solidificada e de suas convenções.

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