Um livro
de leitor. De leitor exigente. Lado
A
Um livro
de professor. De mestre em radicalismos. Lado B
Verdades
e mentiras na literatura se justifica, graças a seu lado A. Recomenda-se
leitura de olhos bem abertos. Partículas maniqueístas pululam ao longo de Verdades
e mentiras na literatura.
É
preciso estar atento e forte, aconselhou Gilberto Gil em Divino maravilhoso. Mais adiante, o alerta: tudo é perigoso.
O autor Stephen Vizinczey é húngaro. Nasceu em 1933. Jovem escreveu peças
teatrais. Suas peças costumavam ser proibidas pelo regime comunista, o que não
impediu A
Última Palavra, sua segunda peça, de receber o prêmio
Attila József. Diz o autor que, certa vez, enquanto ensaiavam, receberam a visita da
polícia política. Esta, não satisfeita com a
"confraternização" , levou algumas lembranças: para ser exato,
carregou os cenários, os figurinos. Vizinczey não tardaria a fugir para o Ocidente.
No Canadá, sem saber falar inglês, viu-se obrigado a aprender. E
aprendeu tão bem, a luta pela sobrevivência é o melhor dos métodos, que logo a sobrevivência resultava dos argumentos
que escrevia para filmes.
Não tardaria a escrever romances, ensaios, resenhas.
Verdades e mentiras na literatura reúne textos anteriormente publicados
em jornais e revistas. Trata-se de uma coletânea que merece redobrada atenção.
Apresenta uma face bobinha, aparentemente ingênua, porém perigosa, e uma face
arrogante, pretensiosa, extremamente bem articulada, mas como diz um amigo, “as
serpentes também são muito bem articuladas.” Recomenda este aprendiz: aprecie
com moderação, não se deixe impressionar.
Comecemos pelo lado B, Os Dez Mandamentos de um Escritor, não fosse a grandiosidade do lado A estas dez bobagens arrogantes
jogaria o livro no esgoto. Vale a leitura pelo lado cômico, ingênuo, piegas,
encare como uma negação do primeiro mandamento; Não beberás, não
fumarás nem usarás drogas.
Dito desse modo, sem dar exemplos, corro o risco parecer sob efeito de duas das mais potentes drogas,
inveja e arrogância.
Enganou-se deploravelmente, impaciente leitor, caso tenha sentido falta
da mediocridade. Esta não é droga, é
componente de minha essência.
O primeiro mandamento é constrangedor, conhecemos inúmeros bons
escritores que fumam, muitos que bebem e outros que se drogam. Por vezes
ocorrem num mesmo sujeito. Não fazer uso dessas três “ferramentas” não
significa ser bom escritor.
Segundo mandamento: Não terás hábitos dispendiosos. Alguém pode explicar
onde isso tem a ver com escrever bem ou mal?
Diz Vizinczey: É preciso decidir sobre o que é mais
importante para você: viver bem ou escrever bem.
Essa afirmação é de uma estupidez constrangedora. Aproveito para dar um
aviso aos editores e editoras: desprezem todo original não oriundo de regiões
miseráveis. Dia desses fiquei sabendo que Madagascar é o lugar mais pobre do
nosso globo. Pelo visto deve estar repleto de grandes escritores.
Perdoe, caro leitor de espírito elevado, mas a irritação se aproxima, em
vista disso não tomarei seu tempo com todos os mandamentos, mas....no quarto
mandamento você encontrará Não serás vaidoso, no quinto o autor lhe recomendará, Não serás modesto.
Menos mal que são dez mandamentos, dez patéticos mandamentos. Condição
para levá-los a sério: ter no máximo dez anos de idade e ostentar analfabetismo
no mais alto grau de convicção.
Ultrapassada a arrebentação, o
leitor encontrará a erudição inquieta de Vizinczey, então se perguntará como ele foi capaz
cometer aqueles dez mandamentos imbecis.
Aproveito para fazer uma pergunta, atento leitor: por que raios
escritores gostam tanto, ou pelo menos se arvoram nesse direito, de ensinar a
escrever? Nem artistas plásticos apreciam tanto essa atividade. Com a quase
erradicação dos cursos de corte e costura, o terreno foi invadido pelos escritores/professores.
Percebe-se nitidamente sua admiração por Stendhal, admiração que permite
leve consideração a Balzac e quase esquecimento de Flaubert.
Vizinczey parece não conseguir
desapegar da pieguice, perceba, apesar da devoção por
Stendhal como ele começa o ensaio. Voilá:
Stendhal é um desses raros espítiros que nunca param de desejar estar vivos, estar apaixonados, estar livres. Estes
três desejos dominam suas obras.
Vale lembrar que a leitura de Verdades e mentiras na literatura deve ser efetuada com extremo cuidado e sempre de forma criteriosa.
Percebe-se a indisfarçável pretensão de
SV de assumir a “persona” de bússola a orientar não apenas o aspirante a
escritor, mas também ditar normas acerca de como
se deve receber a literatura. Caberá a você, criterioso leitor, aceitá-las.
Caso aceite incondicionalmente saiba que está a permitir que alguém lhe informe
o que vem a ser bom gosto em literatura.
Pelo menos na literatura européia e americana. Parte da literatura europeia e
americana. Parte escolhida pelo autor. O que enseja miríades de controvérsias.
Cabe lembrar a você leitor, que também lê no idioma de Rabelais, a
leitura de Des mystications littéraires, de Jacques Finné. Compare e depois conversaremos.
Para encerrar, Verdades e mentiras na literatura é o retrato da intransigência de Vizinczey, se desmistifica determinados
aspectos da literatura também demonstra sua agressividade, sua inteligência e
seu idealismo piegas.
Verdades e mentiras é um livro pretensioso, arrogante,
aparentemente sincero, feito este texto que você acaba de ler. Não deve ser
levado muito a sério.
AUTOR
Stephen Vizinczey nasceu na Hungria em
1933. É autor de diversos livros, entre eles In praise of older women, editado
em 21 países e ganhador, em 2004, do Prêmio Elba, na Itália.
TRECHO
A verdadeira grandeza é como o
infinito, não conseguimos medi-la. Em geral, as tentativas de avaliar as obras
de arte prejudicam até mesmo nossa capacidade de apreciá-las. Ao tratar os
êxitos criativos como se fossem panoramas sociológicos ou históricos, ou
exercícios de intenções piedosas, boa parte da erudição literária é empregada
para destruir a distinção vital entre o ordinário e o extraordinário - um tipo
de incompreensão bárbara que descreveria o olhar de uma mulher dizendo que
ela tinha visão 20/20. No
entanto,essa seriedade pedestre, que Stendhal foi o
primeiro a reconhecer como o mal da cultura moderna, domina o ensino hoje em
dia, e tem como resultado o fato de que só os leitores com sensibilidades
indestrutíveis conseguem sobreviver e formar uma cultura literária.. O ensino
de literatura é o principal instrumento para alijar os jovens da boa prosa e
particularmente dos clássicos. As aulas pedantes sobre o brilhante retrato que
esse ou aquele romancista fez de uma época passada propagam a falácia de que os
grandes autores do passado escreveram sobre coisas mortas e enterradas.
Mas a calúnia é a verdade mal
aplicada. O que confere perene credibilidade ao indevido tratamento sócio -
histórico - moralista das obras de arte literárias é a abundância de
romancistas datados que foram pouco mais do que cronistas de sua sociedade e
honrados porta-vozes da desilusão dela. Tais escritores sofreram, se não de
falta de talento, ao menos de uma overdose de sua cultura solidificada e de suas convenções.
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