domingo, 24 de novembro de 2013

Ingressos para o teatro

(Geraldo Borges)               

Durante as férias na fazenda, quando minhas irmãs vinham da cidade, no meu tempo de menino,  brincávamos de representar dramas, comédias: cenas burlescas, que faziam a platéia cair na gargalhada. Armávamos o palco na varanda, que era o espaço maior da casa grande, e enfileirávamos uma quantidade de cadeiras, tamboretes, para o auditório. Os agregados, os parentes e os vizinhos  vinham assisti a peça.

                Uma vez, eu fui escolhido por minhas irmãs para participar do elenco. Fiquei feliz. A minha colaboração era ínfima, duraria no máximo dois minutos. Eu pularia a janela em uma hora determinada no meio de uma cena, e alguém, uma das minhas irmãs me interpelaria, fazendo-me uma pergunta. No que eu responderia com a cara de abestado:
               Não sei não. Minha mãe é quem sabe.

                Ao cruzar o batente da janela escorreguei e saí tropeçando. Cai. Mordi a língua e machuquei os lábios. Mas logo me recompôs. E desempenhei o meu papel. A minha Irmã fez de conta que o  episódio da queda fazia parte da cena. Todo mundo riu e a comédia continuou.  E eu saí do palco pela mesma janela debaixo de aplausos.
              
               Na cidade, tive a ocasião de participar de um novo drama; este no quintal de nossa casa; desta vez apenas como espectador. Era uma pequena peça em um ato, arranjada pelo Cupertino, que depois foi morar em Brasília, tinha a figura de galalau,  personagem  dos doze pares de França, e era magro que só uma lagartixa. Seus modos, sua presença já era motivo para riso;  outro  elemento da peça era o Gislene, baixinho e gordo: parecia uma pipa de vinho, a dupla dava certo no palco.
                
               A história desenvolveu-se com o seguinte enredo. Cupertino fazia o papel de paciente, que tinha de ser operado. O médico era o Gislene,  metido em um jaleco branco. Havia também no elenco uma enfermeira, a pessoa que lhe dava os instrumentos para a operação, e  um anestesista que logo desapareceu.

               Procedida a operação, aberta a barriga do Cupertino com um golpe afiado de bisturi entregue pela mão enluvada da enfermeira para a mão enluvada do medico, que começou a extrair coisas estranhas do corpo do paciente que estava deitado em uma cama coberto por um lençol branco.

                O primeiro objeto que saiu de dentro do paciente foi um apito, ai o doutor apitou e disse, deve ter engolido quando era criança, depois deu uma gargalhada tão ostensiva que foi fazer eco no palco. Em seguida tirou um  carrinho de lata de sardinha, trazia um cordão em uma das extremidades. O medico pegou e disse: carência da infância, e deu um giro puxando o carinho pelo palco.  O auditório riu. A  enfermeira  ao   lado do medico, séria, parecia um fantasma. O paciente ia ficando mais magro. A gente notava por causa da saliência do lençol que ia aderindo  ao seu corpo O médico continuou catando o lixo na barriga do paciente, encontrou algumas caixas de palito de fósforo  encaixou uma nas outras e fez um trenzinho, encontrou um revolver de brinquedo  e apontou para o rosto do paciente. Não reagiu. Encontrou um pião de madeira e com bastante habilidade fê - lo girar em sua mão enluvada, um papagaio verde amarelo com a seda rasgada e sem rabo. O palco estava se atravancando de objetos. 
               A enfermeira teve que sair um pouco para pegar um cesto  de lixo. Nisso a cortina fechou-se.


               Quando abriu de novo, não havia mais ninguém no palco. Apenas dezenas de cestos de lixos  amontoados, cheios de objetos descartáveis, tanta coisa que não é nem possível imaginar e pelo visto tudo tinha saído da barriga  do paciente Cupertino que depois apareceu junto com o resto do elenco no palco para agradecer a platéia.

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