(Geraldo Borges)
Durante
as férias na fazenda, quando minhas irmãs vinham da cidade, no meu tempo de
menino, brincávamos de representar
dramas, comédias: cenas burlescas, que faziam a platéia cair na gargalhada.
Armávamos o palco na varanda, que era o espaço maior da casa grande, e enfileirávamos
uma quantidade de cadeiras, tamboretes, para o auditório. Os agregados, os
parentes e os vizinhos vinham assisti a
peça.
Uma vez, eu fui escolhido por minhas irmãs
para participar do elenco. Fiquei feliz. A minha colaboração era ínfima,
duraria no máximo dois minutos. Eu pularia a janela em uma hora determinada no
meio de uma cena, e alguém, uma das minhas irmãs me interpelaria, fazendo-me
uma pergunta. No que eu responderia com a cara de abestado:
Não sei
não. Minha mãe é quem sabe.
Ao cruzar o batente da janela escorreguei e
saí tropeçando. Cai. Mordi a língua e machuquei os lábios. Mas logo me
recompôs. E desempenhei o meu papel. A minha Irmã fez de conta que o episódio da queda fazia parte da cena. Todo
mundo riu e a comédia continuou. E eu
saí do palco pela mesma janela debaixo de aplausos.
Na
cidade, tive a ocasião de participar de um novo drama; este no quintal de nossa
casa; desta vez apenas como espectador. Era uma pequena peça em um ato,
arranjada pelo Cupertino, que depois foi morar em Brasília, tinha a figura de
galalau, personagem dos doze pares de França, e era magro que só
uma lagartixa. Seus modos, sua presença já era motivo para riso; outro elemento da peça era o Gislene, baixinho e
gordo: parecia uma pipa de vinho, a dupla dava certo no palco.
A
história desenvolveu-se com o seguinte enredo. Cupertino fazia o papel de
paciente, que tinha de ser operado. O médico era o Gislene, metido em um jaleco branco. Havia também no
elenco uma enfermeira, a pessoa que lhe dava os instrumentos para a operação, e um anestesista que logo desapareceu.
Procedida
a operação, aberta a barriga do Cupertino com um golpe afiado de bisturi
entregue pela mão enluvada da enfermeira para a mão enluvada do medico, que
começou a extrair coisas estranhas do corpo do paciente que estava deitado em
uma cama coberto por um lençol branco.
O primeiro objeto que saiu de dentro do
paciente foi um apito, ai o doutor apitou e disse, deve ter engolido quando era
criança, depois deu uma gargalhada tão ostensiva que foi fazer eco no palco. Em
seguida tirou um carrinho de lata de
sardinha, trazia um cordão em uma das extremidades. O medico pegou e disse:
carência da infância, e deu um giro puxando o carinho pelo palco. O auditório riu. A enfermeira
ao lado do medico, séria,
parecia um fantasma. O paciente ia ficando mais magro. A gente notava por causa
da saliência do lençol que ia aderindo ao seu corpo O médico continuou catando o lixo
na barriga do paciente, encontrou algumas caixas de palito de fósforo encaixou uma nas outras e fez um trenzinho,
encontrou um revolver de brinquedo e
apontou para o rosto do paciente. Não reagiu. Encontrou um pião de madeira e
com bastante habilidade fê - lo girar em sua mão enluvada, um papagaio verde
amarelo com a seda rasgada e sem rabo. O palco estava se atravancando de
objetos.
A
enfermeira teve que sair um pouco para pegar um cesto de lixo. Nisso
a cortina fechou-se.
Quando abriu
de novo, não havia mais ninguém no palco. Apenas dezenas de cestos de lixos amontoados, cheios de objetos descartáveis,
tanta coisa que não é nem possível imaginar e pelo visto tudo tinha saído da
barriga do paciente Cupertino que depois
apareceu junto com o resto do elenco no palco para agradecer a platéia.
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