Geraldo Borges
Fiquei impressionado com a
leitura dos livros de crônicas do poeta
Rogério Newton. Três livros que, acabei de ler, ultimamente. Pescadores da
tribo, 2001, editora Pulsar, orelha de Paulo Machado, Conversa escrita n’água, 2006,
orelha de Esdras do Nascimento, Grão, 2011, edição do autor, orelha de Airton
Sampaio e Paulo Machado. Pescadores da tribo, sem dúvida, são eles que
escrevem n’ água e multiplicam o grão,
como o poeta semeia a palavra.
Seus livros dão testemunha cabal de que a literatura piauiense
está bem representada e bem servida. O moço é de Oeiras, veio para Teresina lá pela década de setenta,
justamente, quando a cidade estava começando a tomar outro rumo, a “ modernizar-se
“ sob o signo da ditadura. Na capital do Piauí fez cursinho e depois
vestibular, formou-se em Direito. E aclimatou-se ao calor da capital do Piauí.
Pelo teor de suas crônicas vê-se que tem uma
grande bagagem e linhagem de leitura, e passeia por muitos temas, extraído do
cotidiano da cidade de Teresina e Oeiras, de forma que seus textos são
variados. O autor escreve com emoção, e, conseguiu me emocionar, a mim, que sou um
leitor calejado. Senti no autor um toque de loucura e ironia brilhando nas
entrelinhas de algumas de suas crônicas.
Arisco-me a dizer que o seu
processo de criação, na maioria de suas crônicas vem mais de uma súbita inspiração do que mesmo de um lento planejamento técnico
Outra coisa que notei em seu texto foi a
criação dos cabeçalhos, quero dizer, dos títulos. Percebi que quase todas as
suas crônicas recebem o titulo de um
verso, uma frase,que está escrita no fim do texto, causando surpresa
ao leitor.Advém daí a hipótese que
suas crônicas nascem como grãos de experiência lírica e emocional e depois
ganham um título para que se faça o arremate..
Sempre
gostei de crônicas, e, por isso mesmo, já não me preocupo em diferenciar a crônica do conto. Concordo com o que diz Otto Lara Rezende. Mas
o que é a crônica? Aqui a porca tore o rabo em discussões bizantina, Mesmo assim, para o meu gasto, li algumas das
crônicas de Rogério Newton como se tivesse lendo contos, o Engraxate, por
exemplo, é um verdadeiro conto. Mas, isto é um detalhe sem importância.
O mais importante é que a literatura piauiense
está de parabéns. E nem toda mundo sabe. Por que, embora Teresina, seja
uma cidade de certo nível cultural, nem
todo mundo está disposto a gastar um tostão com livros, principalmente quando
se trata de literatura.O estado virou mecenas e todo mundo só quer livro se for
de graça.
Isto pode ser explicitado pelo
próprio Rogério Newton em uma de suas crônicas, - as traças
“
Perdoem a auto – referência, mas outro dia publiquei um livro e fui a uma
livraria colocar dois exemplares à venda. A balconista me levou aos fundos da
loja. Descemos os degraus de uma pequena escada, e ela me introduziu no
gabinete gelado do gerente. Este cidadão quer deixar uns livros em consignação.Ela disse cidadão, mas o tom
da voz era de quem joga carniça aos urubus.
O
gerente estava muito ocupado olhando umas faturas. Ao fim de alguns instantes,
desviou a atenção dos papeis, olhou para mim por cima dos óculos, perscrutando
– me como se eu fosse uma nota fiscal. Ao cabo do exame, que durou alguns segundos, disparou. É livro didático?
Antes que eu abrisse a boca, disse então não serve, não dá futuro. E voltou as
faturas.
Estava de pé e continuei: escuta, esta não é a
única livraria de Teresina que possui
uma estante só de autores piauienses? Tinha mais não tem mais. Mandei tirar.
Não serve para nada. Ninguém compra.”
A
crônica continua, e eu convido o leitor a visitá-la Encontra se no livro Pescadores da Tribo.
Volto a
reafirmar a grandeza e singeleza das
crônicas de Rogério Newton. A que eu citei
é uma crônica de desabafo, feita talvez no calor da hora, mas
necessária.
Mas posso me reportar a uma crônica que vem da sua
infância profunda entrando na adolescência; chama --se --- os olhos de garrinha.Considero uma crônica
antológica.Trata-se das impressões de um menino em relação ao seu ídolo, um
jogador de futebol.
“ Foi
talvez por meio de meu pai que ouvi falar pela primeira vez em Garrincha.Os
gestos e a fala grandiloqüente acresciam cores às façanhas do maior ponta- direita
que o mundo viu jogar.
Depois que aprendi a ler o fascínio ao jogador
só fez aumentar, e eu o imaginava o que era ou tinha sido, um deus dos estádios,
de pernas tortas, mas deus.
Até que
um dia, ouvi na rua, que Garrincha viria jogar em Oeiras. Fiquei intrigado: o
que faria um deus numa pequena cidade do sertão brabo do Piauí...
De
noite, fui ver Garrincha, já banhado, sentado numa cadeira de espaguete,
olhando o nada. Um troféu enorme, comprado pelo prefeito, brilhava ao seu lado.
Era como se não existisse.
Do fundo
da década de 70, numa casa de paredes nuas de uma rua torta, que inicia na
Praça das Vitorias e termina no Rio Pouca – Vergonha, jamais pude esquecer Garrincha
e o profundo abismo de seus olhos tristes.”
Garrincha
e Oeiras, um personagem decadente, dentro de um cenário em ruínas. Um sutil
toque de loucura e inspiração.
Recomendo ao leitor, que quiser
conhecer melhor a literatura piauiense, os três livros de Rogério Newton.
Gostei de seu estilo e vi nele muita leitura de Graciliano Ramos, Clarice
Lispector, O G Rego de Carvalho, O Novo Testamento. Mas o que mais me
impressionou no autor foi a leveza com
que escreve seus textos. Prometi a mim mesmo que vou reler suas crônicas. Porque
um bom autor deve ser relido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário