domingo, 4 de novembro de 2012

O cronista Rogério Newton


Geraldo Borges
 
Fiquei impressionado com a leitura dos livros  de crônicas do poeta Rogério Newton. Três livros que, acabei de ler, ultimamente. Pescadores da tribo, 2001, editora Pulsar, orelha de Paulo Machado, Conversa escrita n’água, 2006, orelha de Esdras do Nascimento, Grão, 2011, edição do autor, orelha de Airton Sampaio e Paulo Machado. Pescadores da tribo, sem dúvida, são eles que escrevem  n’ água e multiplicam o grão, como o poeta  semeia a palavra.

Seus livros  dão  testemunha cabal de que a literatura piauiense está bem representada e bem servida. O moço é de Oeiras, veio  para Teresina lá pela década de setenta, justamente, quando a cidade estava começando a tomar outro rumo, a “ modernizar-se “ sob o signo da ditadura. Na capital do Piauí fez cursinho e depois vestibular, formou-se em Direito. E aclimatou-se  ao calor da capital do Piauí.

 Pelo teor de suas crônicas vê-se que tem uma grande bagagem e linhagem de leitura, e passeia por muitos temas, extraído do cotidiano da cidade de Teresina e Oeiras, de forma que seus textos são variados. O autor escreve com emoção, e,  conseguiu me emocionar, a mim, que sou um leitor calejado. Senti no autor um toque de loucura e ironia brilhando nas entrelinhas  de  algumas de suas crônicas.

Arisco-me a dizer que o seu processo de criação, na maioria de suas crônicas vem mais de  uma súbita inspiração do que mesmo  de um lento planejamento técnico

 Outra coisa que notei em seu texto foi a criação dos cabeçalhos, quero dizer, dos títulos. Percebi que quase todas as suas crônicas  recebem o titulo de um verso, uma frase,que está escrita no fim do texto, causando  surpresa  ao leitor.Advém daí a hipótese que  suas crônicas nascem como grãos  de experiência lírica e emocional e depois ganham um título para que se faça o arremate..

               Sempre gostei de crônicas, e, por isso mesmo, já não me preocupo em diferenciar a  crônica do conto.  Concordo com o que diz Otto Lara Rezende. Mas o que é a crônica? Aqui a porca tore o rabo em discussões bizantina,  Mesmo assim, para o meu gasto, li algumas das crônicas de Rogério Newton como se tivesse lendo contos, o Engraxate, por exemplo, é um verdadeiro conto. Mas, isto é um detalhe sem importância.

 O mais importante é que a literatura piauiense está de parabéns. E nem toda mundo sabe. Por que, embora Teresina, seja uma  cidade de certo nível cultural, nem todo mundo está disposto a gastar um tostão com livros, principalmente quando se trata de literatura.O estado virou mecenas e todo mundo só quer livro se for de graça.

Isto pode ser explicitado pelo próprio Rogério Newton em uma de suas crônicas, - as traças

               “ Perdoem a auto – referência, mas outro dia publiquei um livro e fui a uma livraria colocar dois exemplares à venda. A balconista me levou aos fundos da loja. Descemos os degraus de uma pequena escada, e ela me introduziu no gabinete gelado do gerente. Este cidadão quer deixar uns livros  em consignação.Ela disse cidadão, mas o tom da voz era de quem joga carniça aos urubus.

               O gerente estava muito ocupado olhando umas faturas. Ao fim de alguns instantes, desviou a atenção dos papeis, olhou para mim por cima dos óculos, perscrutando – me como se eu fosse uma nota fiscal. Ao cabo do exame, que durou  alguns segundos, disparou. É livro didático? Antes que eu abrisse a boca, disse então não serve, não dá futuro. E voltou as faturas.

                Estava de pé e continuei: escuta, esta não é a única livraria  de Teresina que possui uma estante só de autores piauienses? Tinha mais não tem mais. Mandei tirar. Não serve para nada. Ninguém  compra.”

               A crônica continua, e eu convido o leitor a visitá-la Encontra  se no livro Pescadores da Tribo.

               Volto a reafirmar a grandeza e singeleza  das crônicas de Rogério Newton. A que eu citei  é uma crônica de desabafo, feita talvez no calor da hora, mas necessária.

Mas posso  me reportar a uma crônica que vem da sua infância profunda entrando na adolescência; chama --se  --- os olhos de garrinha.Considero uma crônica antológica.Trata-se das impressões de um menino em relação ao seu ídolo, um jogador de futebol.

               “ Foi talvez por meio de meu pai que ouvi falar pela primeira vez em Garrincha.Os gestos e a fala grandiloqüente acresciam cores às façanhas do maior ponta- direita que o mundo  viu jogar.

                Depois que aprendi a ler o fascínio ao jogador só fez aumentar, e eu o imaginava o que era ou tinha sido, um deus dos estádios, de pernas tortas, mas deus.

               Até que um dia, ouvi na rua, que Garrincha viria jogar em Oeiras. Fiquei intrigado: o que faria um deus numa pequena cidade do sertão brabo do Piauí...

               De noite, fui ver Garrincha, já banhado, sentado numa cadeira de espaguete, olhando o nada. Um troféu enorme, comprado pelo prefeito, brilhava ao seu lado. Era como se não existisse.

               Do fundo da década de 70, numa casa de paredes nuas de uma rua torta, que inicia na Praça das Vitorias e termina no Rio Pouca – Vergonha, jamais pude esquecer Garrincha e o profundo abismo de seus olhos tristes.”

               Garrincha e Oeiras, um personagem decadente, dentro de um cenário em ruínas. Um sutil toque de loucura e inspiração.

Recomendo ao leitor, que quiser conhecer melhor a literatura piauiense, os três livros de Rogério Newton. Gostei de seu estilo e vi nele muita leitura de Graciliano Ramos, Clarice Lispector, O G Rego de Carvalho, O Novo Testamento. Mas o que mais me impressionou no autor foi a leveza  com que escreve seus textos. Prometi a mim mesmo que vou reler suas crônicas.   Porque um bom autor deve ser relido.

Nenhum comentário: