Não conheço pessoalmente o Aderval Borges. Fomos apresentados no espaço
virtual da internet por nosso amigo comum Durvalino Couto (poeta dos bons e
aqui já festejado). Dervas (como na intimidade, mesmo a distância, tratamos o
Aderval) escreveu este belo poema com as devidas explicações a seguir. Publico-o
por merecimento. E gastem um pouco do seu tempo para (não hesito em dizer) esta
obra-prima. (Edmar)
O e-mail de Dervas:
Cabras,
Tenho minhas fixações
de caipira iconoclasta. A maioria não diz coisa com coisa. Identificações
poéticas (êta adjetivozinho gasto e fartamente picareteado!) Dentre minhas
fixações da esfera mais ou menos marxista estão Rosa de Luxemburgo e Walter
Benjamin. E dentre as fixações de outras esferas está Marcel Duchamp. Há tempo
trabalho com um poema a partir de um tema (também fixação) – rosas defeituosas
– tendo como sustentação Rosa de Luxemburgo e uma das várias personas de
Duchamp, a cafetina rrose sélavy (grafada assim mesmo, com minúsculas). Figuras
opostas: a primeira rigorosamente não vendável e a segunda absolutamente
vendável (só o personagem, porque Duchamp nunca se vendeu e sequer vendeu
qualquer de suas obras em vida). Lá pelo meio do poema há esculhambações à
esquerda (antiga e atual). Esculhambo a dita cuja porque dela vim – me sinto
parte – e não conheço nada da direita para comentar, muito menos conheço
qualquer direitista; meus amigos (e inimigos) são todos de esquerda. Segue a
porra do poema no arquivo anexado. Se tiverem saco, leiam; se não, baleiem,
lógico. Evidente que um poema não é apenas pra expor temas. Há toda cadência,
ritmo, linguagem, figuras de linguagem, o caralho a quatro.
abç
do que é (de)feito
que perfume pode ter uma rosa
propensa ao despedaçamento
cuja haste rija e espinhosa
nega tato aos pretendentes?
que cor pode ter uma flor
que aira onde paira a indiferença
busca firmeza num solo sem essência
consolo na falta de complacência?
que futuro pode ter uma rosa
que acolhe as glosas dos amantes
mas só se deixa ver por inteira
durante o despedaçamento?
dela não restará pétala sobre pétala
até a memória estará fadada
a se juntar ao acúmulo de restos
para repasto da História
isso é motivo para rezas, Renze?
acorde, cabeça de ovo
pare de fingir que está do lado do povo
direita, volver!
esquerda, vou ver...
por que depois de consumado o ato
opostos brindaram lado a lado
com devotado entusiasmo
enfim alguém achara a solução...
ela fora sempre tão equivocada...
um caso irrecuperável...
de péssima reputação...
muito cedo deixou o norte
para vir de encontro à morte
e cair nos jogos daquele Joguices
para o partido, revisionista
para o sionismo, amante dos pássaros
aves alçam arribação
quando na claridão transluz seu voo
em geométrica ocupação
jamais batem as asas estabanadas
no rumo da escuridão
gostava de Marx pelas dúvidas
não pelas convicções
o materialismo era sua religião
ah, o merecido fim tiveram
ela e aquele Liebknetch!
ninguém acreditou, ninguém
que aquela flor carmim
prestes a pôr um fim aos impasses pelo suicídio
pudesse ter se dado
com tanto afã ao comunismo
de certa forma evitou que o movimento
(pelo menos naquele momento)
ruísse qual chuva de fogo
e devorasse os seus em fês fervente
algozes e camaradas
provaram do próprio opróbio
pois da mesma forma constataram
o quanto fora imprópria
a superioridade imposta sobre ela
o ideal só é puro ao chegar
banha-se entre rebanhos vigiados
esteja nas testas vibrantes dos obstinados
ou nas sobrancelhas espessas dos mais simples
o ideal estimula no coletivo
a resolutividade que falta ao indivíduo
de modo que a existência de uma rosa
pequena e frágil como aquela
jamais se expanda exasperada
para além das grades
que a mantém secreta no jardim
o ideal é a decomposição do momento
no instante do encontro
um degrau da loucura que se doa
em sacrifício por nada
não requer compreensão
a nada se fia e às trevas se entrelaça
como murmúrio alcoólico
num botequim em tumulto
direita,
volver!
esquerda,
vou ver...
por
que viradas as páginas da História
lados
que um dia foram opostos
e
estiveram a postos
dispostos
para a batalha
possam
agora erguer as taças
em
mútuo desagravo
outrora inimigos, agora amigos
será que no fundo foram sempre assim:
igualmente imundos!
a honradez cedeu lugar ao apogeu burguês
sem paixões e compromissos
mãos que um dia se armaram pela revolução
agora trocam afagos com o inimigo
pela mesma falta de motivos
em meio à ausência de disputas
emerge uma rosa puta
diversa em tudo daquela
esta até no gênero se expressa
sem pudores extremos
não conjuga ideias nos trilhos
mas é exímia nos trocadilhos
pelo sim e pelo não
na cama se oferece como poucas
numa profusão de poses
do alto dos cílios postiços
serve-se com variados artifícios
até o útero extirpou
a fim de manter eretas as tetas
e tê-las sempre tesas
para entreter os amigos
despida de qualquer postura
doa-se no auge da orgia
quando
então se extasia:
“se
lá vi
nada
disso é o que procuro
e
nada disso houve”
para
essa flor de mundano viço
o
que menos importa são compromissos
ideologias
não têm utilidade
são
artigos de antiguidade
cujos
métodos são impostos
pela
falta de princípios
por
uma Macedônia que jamais se fez
segue
em busca de Fernandez
às
instâncias militantes
propõe
uma fórmula:
troquem
o fabulário da luta de classes
pela
roleta da esbórnia
para
ela no marxismo nada é belo
sua
estética é uma velha caquética
incapaz
de oferecer o gosto
com
sensação de gozo
alheia
às falácias dialéticas
essa
rosa sem rosário
cerra-se
num outro modo de ser
decerto
que disseminará pragas
pois
só assim se propaga
o
direito como sentido de recusa
enquanto
causas e coisas se exaurem
segue
numa espiral de pétalas
que
termina por onde tudo recomeça
embora
com o perfume infame das ideias
Dianas
anêmicas ainda se banhem
e
Acteães afetados se locupletem
sempre
haverá rosas de outros tipos
umas
dão lugar ao que se deixa
outras
a lugares que se penetra
umas
se entregam apaixonadas
outras
por álgebra hermética
há
rosas que nem se abrem
e
rosas de aceitação confessa
para
manter a essência
todas,
abertas ou em botão
estão
condenadas à desaparição
pois
só assim conseguem antever
o
outro lado da nossa ausência
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