Edmar Oliveira
No antigo Brasil Colônia, no ano de 1755, foi aberta no entorno central da cidade do Rio de Janeiro a rua do Lavradio. O Segundo Marquês do Lavradio, que tinha o pomposo nome de Luis de Almeida Portugal Soares de Alarcão Eça e Melo Silva e Mascarenhas, Vice-rei do Brasil (1769-1779), mandou alargar a rua e ali construir sua residência, que desde 1777 se mostra gloriosa na esquina com a rua da Relação. A rua do Lavradio, que começa na Riachuelo e termina na Visconde de Rio Branco, teve seus momentos de glórias coloniais e imperiais. Com a República foi perdendo o brilho, mas na década de 1950 foi a sede da Tribuna da Imprensa, de onde Carlos Lacerda brilhava nos seus ataques a Getúlio Vargas. Depois a degradação, o esquecimento, os hotéis de solteiros, a prostituição, a resistência dos pequenos comércios, os brechós de mobiliário antigo. Recentemente revitalizada como grande parte da Lapa, bares e casas de shows fazem da noite um formigueiro de boêmios de todos os cantos do Rio. A Lavradio hoje é vida que canta e encanta a juventude e turistas em busca de diversão. E neste lugar, outrora aristocrático, majestoso, imperial; ontem degradado; hoje revitalizado e boêmio; você pode topar com Afonso Henriques de Lima Barreto.
De certo ele nunca deixou de andar por ali. Carioca suburbano de Todos os Santos Lima Barreto entrou na história da cidade pelos órgãos de imprensa do centro conturbado do início do século passado. É no “Correio da Manhã” que elabora as peripécias autobiográficas de Isaías Caminha, o escrivão com sobrenome do escritor da Esquadra de Cabral. É n’ “A Noite” em que publica em folhetins “Numa e a Ninfa”. Na revista “Fon-Fon”, onomatopéia das buzinas de carros engarrafados dos primeiros anos do século vinte, publicou artigos ao lado dos ilustres ilustradores J. Carlos e Di Cavalcanti.
Do subúrbio para o centro da cidade o nosso Afonso Henriques, de bonde ou a pé, freqüentava os botequins, consumindo no álcool o sonho do sucesso final de Isaías Caminha. Que destino se impunha na realidade em que tentou sobreviver! Abandona o sonho de ser engenheiro, ainda no Politécnico, para sustentar a família. Como um humilde amanuense da Marinha transcreve nas letras o pequeno salário. E isso tudo porque o pai, funcionário da Colônia de loucos da Ilha do Governador, enlouquece para não mais sair da companhia de quem cuidava. Mais tarde, na repetição da loucura paterna, Lima é internado como indigente no Hospício da Praia Vermelha, apesar de já ter publicado seu maior sucesso em vida: “Triste Fim de Policarpo Quaresma”. Triste fim de Afonso Henriques.
Atacado por críticos mordazes, vítima do racismo, da pobreza, viu frustradas suas tentativas de entrar na Academia Brasileira de Letras. Sem o sucesso que o personagem autobiográfico conseguira, amargura o esquecimento em vida. Não entrando na Academia entra no Hospício, por duas vezes e morre no dia de Todos os Santos, no bairro de Todos os Santos, aos 41 anos, no ano da Semana Modernista de vinte e dois.
Não sendo reconhecido em vida, Lima Barreto, como tantos outros gênios, ressurge, na linha do tempo ilógica e longa do reconhecimento, como o mais carioca dos escritores. Disputa, com o bruxo do Cosme Velho, a primazia do escritor brasileiro do romance moderno. Machado é a imponência, a academia e a magia do escritor reconhecido mundialmente. Mas no quintal dos subúrbios Lima mostrou a alma carioca. Assis é disputa na literatura planetária. Em casa, Barreto é soberano. E se Machado fica no portal da Academia anunciando a cultura oficial, Lima fica andando entre os boêmios da Lavradio.
É que a Casa de Lima Barreto, confraria que cultua a obra de Lima Barreto para que Afonso Henriques jamais seja esquecido, inaugura o busto do escritor no ponto boêmia da Lavradio em frente ao CIEPE hoje existente. Perto de onde morou no número 71. E vez por outra eu vou sentar no bar em frente ao Lima do Lavradio e tomar uma cerveja em sua homenagem: - “Mulato, tu ficaste muito mais importante que o Isaías Caminha e este país continua a Bruzundanga de sempre...”
3 comentários:
Belíssimo texto. Suas palavras me deixaram emocionada. E VIVA LIMA BARRETO!
Lima barreto é atualíssimo. Eu viajo pelo Rio antigo,com os pés no Rio das UPPs... rsrs
"O Segundo Marquês do Lavradio, que tinha o pomposo nome de Luis de Almeida Portugal Soares de Alarcão Eça e Melo Silva e Mascarenhas, Vice-rei do Brasil"
Doutor, o nome desse cara deve ter vindo de Portugal numa Nau à parte!
Prabéns pela 'revitalização' de Lima Barreto com importante texto!
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