domingo, 27 de março de 2011

Literatura e Medicina

Geraldo Borges
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Um médico não precisa apenas conhecer anatomia, ter dissecado cadáveres, e outras disciplinas para tentar a grande aventura de curar o corpo humano. É necessário que possua outros talentos, como por exemplo saber ouvir, saber apalpar, olhar nos olhos, ter, acima de tudo, empatia, pois os pacientes procuram um médico como quem procura um sacerdote, não apenas para salvar o corpo, pois a alma também adoece. Os que seguem mais além das vísceras e descobrem que a doença também é uma cura terminam virando poetas, romancista, escritores.



A literatura ocidental e particularmente a brasileira tem muitos exemplos de médicos que foram além das vísceras. Podemos dizer sem medo de errar que o romance brasileiro começou sob a égide da medicina. Um dos nossos primeiros romancistas chama-se Joaquim Manuel de Macedo, era formado em Medicina. Qual o estudante de vestibular que não conhece a Moreninha, o Rio do Quarto, O Moço Loiro, jóias do romantismo brasileiro. Gonçalves de Magalhães, um dos nossos precursores da poesia romântica, autor de A Confederação dos Tamoios, também era médico.


Saindo do Brasil, podemos citar alguns autores portugueses, também médicos, por exemplo: Ferrando Namora, escritor contemporâneo muito lido fora de Portugal, inclusive no Brasil, entre seus livros podemos citar os romances Retalhos da Vida de um Médico, Domingo à Tarde. E Lobo Antunes, que, teve uma experiência marcante, participando da guerra da Angola, experiência esta que conseguiu passar para as páginas da ficção em seu belo romance: Os cus de Judas. Miguel Torga, poeta, contista, romancista, entre seus numerosos livros de poesia podemos destacar Orfeu Rebelde, O Outro Livro de Job, Cântico do Homem.


Mas vamos voltar ao Brasil e perfilar mais alguns médicos que se tornaram grandes escritores. Afrânio Peixoto, autor de romances regionais como Maria Bonita, Fruta do Mato. Gastão Curls, contista, e romancista autor de livros famosos, como A Amazonas Misteriosa, filmado por Ivan Cardoso com o titulo de Um Lobisomem da Amazônia, Coivara, Ao Embalo da Rede, Amazonas que Eu Vi, Vertigem, Historia Puxa História.


Voltemos a Europa de novo e incorporemos neste texto escritores ilustres que, foram médicos, por exemplo, Rabelais, autor de Gargantua Oliver Goldsmith, Alexandre Dumas. A J Cronin, que teve muitas edições publicadas no Brasil, e, ainda hoje, é encontrado nos sebos. Dizem que Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, ficava horas e horas esperando um paciente em seu consultório. Não aparecia ninguém. Enquanto isso ele aproveitava o tempo para escrever. E assim, inventou uma quantidade de personagens impressionante, inclusive fantasmas. Somerset Maugham, autor de Servidão Humana, um dos maiores romancista ingleses, mostra inclusive em seus romances um pouco da história da medicina em seu país, pois cria personagens médicos de uma beleza aterrorizante. Seu livro O Véu Pintado que já foi filmado, ilustra bem o que eu estou dizendo.


Mas vamos retornar ao Brasil e listar mais alguns vultos da nossa literatura que passaram pela ciência da Medicina e desembocaram no mar das Humanidades, das letras, esta arte capaz de transfigurar as pessoas. Para reiniciar os exemplos, citaremos o poeta Jorge de Lima, alagoano, um dos maiores poetas brasileiros, autor de Invenção de Orfeu.


Dyonélio Machado, gaúcho, contemporâneo de Érico Veríssimo, pertencente ao partido comunista, autor de grandes romances consagrados pela crítica, como o Louco do Cate, Os Ratos, e muitos outros. Josué de Castro, que pertenceu a FAO, ensaísta, escreveu grandes estudos sobre a questão da fome no planeta.


Agora vamos dar uma passada rápida pelos Estados Unidos. E ficar sabendo que o poeta William Carlos William era médico, e para acrescentar, lá existe a National Association for Poetry Therapy, (NAPT), que se propõe a usar a poesia como forma de terapia. Com certeza, funciona.


Voltemos mais uma vez ao Brasil. Não devemos nos esquecer de Helio Pellegrino, famoso psiquiatra, e também de Pedro Nava, o nosso grande memorialista. E de Guimarães Rosa, pois sua experiência de médico nos campos gerais das alterosas lhe deu muito fôlego para escrever a maior saga sertaneja depois de Sertões de Euclides da Cunha, Por último citaremos Moacyr Scliar autor do Centauro no Jardim, entre muitos de seus romances. Ia me esquecendo de Roberto Freire, romancista e ensaísta, criador de uma técnica terapêutica denominada Soma, autor de uma autobiografia: Eu e o Outro, um livro excelente para quem deseja conhecer os bastidores da subversão no período da ditadura.


Do rol que citei estão todos mortos, com exceção de Lobo Antunes e para acrescentar mais um vivo, citarei o médico psiquiatra Edmar Oliveira, escritor piauiense, autor de Ouvindo Vozes e Von Meduna, sobretudo pelo seu talento, já reconhecido pela crítica nacional, e principalmente pelos seus leitores.

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Geraldo, não tenho talento para ser acrescido nesta sensacional lista. Quero crer que o escritor Geraldo Borges, esse sim um sujeito fenomenal, tá querendo agradar o "dono" do blog.