quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Sigamos juntos, Vamos de mãos dadas


Paulo José Cunha

Já percebeu que, no Natal, as árvores não dão sombra, e sim luz? À sua luz nos encontramos e nos tocamos, e assim se realiza o espírito do Natal, que se revela no jeito simples de nos olharmos na rua, como se uma cumplicidade misteriosa de repente nos invadisse; no sorriso infantil que brota do rosto dos velhos e das crianças, quando ganham um beijo; nos cotovelos que se tocam inadvertidamente durante o Venite Fidelis, na Missa do Galo; no abraço entre votos de Feliz Natal que damos sem mesmo entender por que o fazemos, mas na certeza de que o abraço por si se basta e se justifica.
De repente concluímos, espantados, que Natal, na verdade, é tudo o que não está na tv, tudo o que não custa dinheiro, tudo o que não se pode comprar. Pois não existe nada mais antinatalino do que um shopping lotado, com pessoas se esbarrando, mãos ocupadas com pacotes, e portanto sem mãos para ...se cumprimentar! Nada mais antinatalino do que essa ânsia desesperada pela compra de presentes, essas imprecações que ouvimos nas filas das lojas abarrotadas de impaciência e barulhos de registradoras. Ou o suor e a agonia com as providências da ceia, em que nos embebedamos à complacência de um velho falso, saído da neve, que faz um ininteligível ho-ho-ho, enquanto toca renitentemente um sino, sem perceber que o blém-blém do sino pode acordar o menino esquecido no fundo do presépio.
Ainda assim é tempo de comemorar o Natal.
Eu, por exemplo, esqueço o Cristo crucificado, imagem da qual nunca gostei, mesmo nos tempos de coroinha. Porque é a imagem da dor, e não da alegria. Ninguém gosta de dor. Nem eu. Prefiro a imagem do menino, sorridente sobre a fragilidade das palhas onde Maria o deitou, envolvido em seu manto, na noite gelada de Belém. Em Deus não acredito, como já disse Miguel Torga, mas como não acreditar no menino?
Os reis magos, ah, esses nunca me enganaram, com seus presentes de adultos. Utilitaristas, inauguraram o tempo da usura e da dissipação, ao levar ouro, mirra e incenso à gruta de Belém. Isto são coisas que se levem a um recém-nascido? Restam claras as segundas intenções: queriam agradar aos pais, e não ao filho. Nenhum deles se lembrou de levar um brinquedo ao menino. No primeiro Natal, o menino não ganhou presente.
Por tudo isso, prefiro um Natal em que apenas nos encontremos, já que a vida é arte do encontro, como dizia o poetinha querido.
Natal, tempo de abraços e encontros. E um abraço não se faz sozinho: é preciso de dois.
Ao nos encontrarmos, em vez de mil presentes, que tenhamos as mãos abertas e vazias, para nos cumprimentar, nos abraçar, nos aconchegar. Só de mãos vazias é possível... darmo-nos as mãos.
Então, sigamos. Sigamos juntos, vamos de mãos dadas, que apesar das noites restam as madrugadas.
Com o melhor do meu afeto.
Natal, 2009.

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