quinta-feira, 13 de agosto de 2009

prêmio




Chico Salles e Ciro Fernandes ganharam o Prêmio da Academia Brasileira de Letras, deste ano, na categoria Literatura Infanto-Juvenil por "Cordelinho".



Prefácio de José Nêumanne
O primeiro impacto produzido por esta edição da Rovelle é a beleza esplendorosa que salta aos olhos na capa e na contracapa. E também habita cada página do livro. Esta beleza nasce da consciência do poder encantatório da palavra que tem o autor, o múltiplo artista paraibano Chico Salles. Compositor e intérprete musical, além de poeta do improviso, ele tem a noção exata deste poder na dimensão oral da língua dos violeiros nordestinos, dos mestres do improviso da poesia sulina e da carga de sedução dos diversos sotaques regionais que em nada alteram a beleza nada inculta da última flor do Lácio, que Camões inventou e Eça, Pessoa, Machado, Bandeira, Drummond e tantos outros têm aperfeiçoado ao longo dos tempos. À intimidade com a palavra dita Chico soma a familiaridade com o verbo escrito. E o gênero literário que mais aproxima a linguagem falada dos códigos impressos é o cordel, romanceiro popular que se aproveita das facilidades mnemônicas da poética cantada para, com os versos impressos em papel, tornar-se poesia de bancada. Mestres desta arte, como outro sertanejo paraibano (de Pombal), Leandro Gomes de Barros, homenageado neste Cordelinho, já fizeram isto antes muitas vezes, contando aventuras, romances de amor e causos de graça (publicáveis ou fesceninos). A novidade deste livro é que o cordel tem sido pródigo em gestas e romanceiros, mas não no mesmo grau em literatura infanto-juvenil: é aí que Chico inova recontando velhas histórias tradicionais de bichos de domínio público, algumas das quais ele deve ter ouvido na infância em Souza, no mesmo Vale do Rio do Peixe onde nascemos Ciro Fernandes e eu. E falar do xilogravador Ciro de Uiraúna, que ilustra este livro, é tratar da extraordinária beleza visual deste volume. Ex-pintor de paredes na periferia de São Paulo e, depois, “artefinalista” de agências de publicidade no Rio de Janeiro, este meu conterrâneo tornou-se um dos mais inspirados artistas neste gênero plástico popular do Brasil, muito utilizado nas capas dos folhetos, quase sempre feitas pelos autores, desde que aprendeu sua técnica com outro paraibano, Zé Altino. A barata e o tigre, protagonistas dos romances de Chico Salles, ganham vida nos seus versos. E cor, brilho e beleza também nas extraordinárias e marcantes ilustrações de Ciro de Uiraúna, senhor de um estilo único e privilegiado, que marca estas páginas como sinuosos desenhos em ferro em brasa deixavam nas pernas dos rebanhos de nossos ancestrais signos que identificavam seus proprietários. Chico Salles e Ciro Fernandes introduzem com este Cordelinho as crianças do Brasil no universo encantado dos romances de Pavão Misterioso, Generosa, Cego Aderaldo, Camonge, Bocage, Zé Pretinho e Inácio da Catingueira. E devolvem a todos nós retalhos coloridos de uma infância que nunca será perdida.

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José Nêumanne, jornalista, poeta e escritor, é comentarista dos jornais da Rádio Jovem Pan e do SBT, editorialista do Jornal da Tarde e autor do romance O silêncio do delator, prêmio Senador José Ermírio de Moraes, da Academia Brasileira de Letras, em 2005, pelo melhor livro de 2004.





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