domingo, 7 de fevereiro de 2016

QUEM DISSE QUE CARNAVAL É ALEGRE?

Desenho: Jota A.


(Edmar Oliveira)

Quando chega o carnaval, na minha lembrança vêm algumas músicas de carnavais passados. São melodias dolentes. Entristecidas, mesmo. De samba-enredo, lembro épicos de outrora e nem um dos recentes, quase todos iguais em baticuns repetitivos.

E até parece que descobri porque não gosto mais de carnaval. Tenho uma grande dificuldade de marcação do tempo. Minha memória cronológica é péssima. Embaralho fatos. Acho que por isso não lembro os natais, do ano novo. Para mim eles são iguais, como se repetidos, não marcando a divisão dos anos como quer um poema do Drummond. Não me mostram a cronologia. Mas é nos carnavais onde vejo o tempo passar.

Lembrança de um carnaval com “fofões” – versão maranhense dos Clóvis e Bate-Bola do Rio – e bailes no Guarapari me dizem que estou menino em Codó. Consigo lembrar até de uma cena insólita de três jovens fantasiados e completamente bêbados, equilibrando seus corpos – sentados num banco de praça – escorando-se uns nos outros. Já sem máscaras, nós meninos perversos os reconhecemos e gritávamos seus apelidos, que poderiam nos trazer graves consequências. Repetíamos insistentemente “Madá, Aripi e Babão”. Eles já não tinham condições de correr atrás de nós, apenas repetiam num murmúrio quase inaudível: “É o cu da mãe”, frase que depois o segundo falava depois, seguido do terceiro, num jogral para nossa alegre diversão. Repetimos essa brincadeira por um tempão. O que chamávamos de Madá era em comparação com uma famosa gorda mendiga das ruas da minha infância. O nosso Madá era gordão. Babão não precisa explicar, mas já não me lembro de Aripi.

Os carnavais do corso, dos desfiles de Vemaguetes, Rurais, Gordinis, Jeeps e do Caminhão das Raparigas me pegam ginasial na Teresina de ontem. O meu destaque era para o Caminhão das Raparigas, quando as putas saíam do Cabaré pra desfilar no meio da elite. Levantavam as saias, jogavam lança-perfume, confetes e serpentinas. Só mais tarde comecei a prestar atenção nas nossas pobres escolas de samba e ecoa na memória os versos “escravos vão mostrar o seu valor / que o preto pode ser doutor”. Lembro ainda do alfaiate Bernardo Cruz, da Nicinha. Mais tarde no Beco do Prazer – atrás da Igreja de São Benedito – e os pecados ali cometidos.

Noutros carnavais viajei de trem para acampar na Praia de Atalaia, em Luís Correia – e não tinha essa multidão que tem agora. Depois lembro uma desastrosa viagem para Sete Cidades onde o dinheiro acabou e ficamos presos num quarto em Piracuruca. Ali gravamos uma fita vídeo-cassete (alguém ainda lembra?) que insiste em ficar melhor a cada dia que passa, contando um passado em que vivíamos alegres.

Doutra vez tínhamos um bloco de carnaval e um amigo folião chegava fantasiado pra concentração  e começava a beber cedo. Nunca saiu com o bloco. Quando o bloco saía, ele ficava deitado não chão da concentração completamente borracho. Mas no outro dia aparecia fantasiado para começar tudo de novo. Não saía. Assim nos três dias. Na quarta feira de cinzas vinha ele fantasiado pro bloco, sem saber que o carnaval já tinha acabado. Foi apelidado de Folião. 

No Rio os primeiros Carnavais foram num sítio próximo ao Guandu. Foi lá, bem depois, que o Plano Collor nos pegou sem dinheiro no banco. Também não tínhamos. Não nos atingiu.

Foi num Carnaval que fui a primeira vez a Buenos Aires. Não posso deixar de lembrar os primeiros Carnavais dos loucos do Engenho de Dentro – o Loucura Suburbana que resiste até hoje. Foi uma época de sonhos felizes.

Não contei tudo. Apenas algumas passagens para dizer que só agora entendi que o Carnaval marca a passagem do tempo, para mim. Não é um presépio ou as queimas de fogos no fim do ano. O ano passa no Carnaval. Daí a melancolia que ele causa em mim.

O Sérgio Sampaio ficava intrigado porque “O Bloco na Rua” fazia sucesso nos carnavais. Queixava-se que a música era melancólica, sofrida, mas todo mundo lembra-se dela para cantar na alegria do Carnaval. Um parceiro do poeta – que não lembro o nome – perguntou decisivo: “Mas quem disse que carnaval é alegre”?

“Eu quero é botar meu bloco na rua”. Mas não me lembrem que dormi de touca e que Durango Kid quase me pegou.

Edy Star, mandando ver

Moacyr Luz e Chico Salles

Xico Sá, veio ao bloco por indicação de Macalé

Leo Gandelman

A saída proibida até os portões do Parque Guinle


Piau

Marcão Sampaiófilo

Chico Regueira

1000TON, Pererinha, Piauinauta e Léo Almeida

Esse ano foi o ano do Sampaio. Terceiro ano do Bloco na Rua, mas desta vez com uma alegria contagiante (talvez escondendo a melancolia sampaiófila) com o Mercadinho São José pegando fogo. O homenageado foi o Edy Star, o único vivo do célebre disco Seção das 10 da Grã-Ordem Kavernista.

Conversando com o nosso Edy sobre os sobreviventes daquela época em que os poetas morriam cedo, o Kavernista mandou: "Olha, meu filho! Alguém tinha que ficar vivo para contar a história senão ninguém lembraria mais deles". Essa foi a missão do bloco que um grupo de amigos imaginou nas rodas de quarta-feira no Bar Botero, no Mercadinho de Laranjeiras: lembrar a memória de Sampaio. E com ele a de Raul Seixas, Mirian Batucada, Torquato Neto e tantos outros que saíram do bloco antes da hora.

No ano passado o bloco contou com a presença de Melodia e Macalé, que esse ano não vieram. Mas Xico Sá contou que veio porque Macalé lhe convidou. Vai ver que Macau esqueceu, mas se fez bem representar. Piau e Moacyr foram violonistas do Sampaio. Estava também presente Rodrigo Moreira, o biógrafo do Sérgio Sampaio. E foi bonito ver a molecada nova cantando as músicas do Sampaio.

Foi uma noite pra ser lembrada. E a camisa desenhada pelo mestre Gervásio ficou dez. Ele até deixou de usar preto naquela noite para vestir o dourado do Sampaio.

O carnaval já pode acabar antes de começar. E será lembrado com melancolia no futuro.

Contracapa

Raul, Miriam, Sampaio e Edy Star



Edy Star e Edmar
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a maioria das fotos são de Tadeu















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