Quando chega o carnaval, na minha lembrança vêm algumas
músicas de carnavais passados. São melodias dolentes. Entristecidas, mesmo. De
samba-enredo, lembro épicos de outrora e nem um dos recentes, quase todos
iguais em baticuns repetitivos.
Lembrança de um carnaval com “fofões” – versão maranhense
dos Clóvis e Bate-Bola do Rio – e bailes no Guarapari me dizem que estou menino em Codó.
Consigo lembrar até de uma cena insólita de três jovens fantasiados e completamente
bêbados, equilibrando seus corpos – sentados num banco de praça – escorando-se
uns nos outros. Já sem máscaras, nós meninos perversos os reconhecemos e
gritávamos seus apelidos, que poderiam nos trazer graves consequências.
Repetíamos insistentemente “Madá, Aripi e Babão”. Eles já não tinham condições
de correr atrás de nós, apenas repetiam num murmúrio quase inaudível: “É o cu
da mãe”, frase que depois o segundo falava depois, seguido do terceiro, num
jogral para nossa alegre diversão. Repetimos essa brincadeira por um tempão. O
que chamávamos de Madá era em comparação com uma famosa gorda mendiga das ruas
da minha infância. O nosso Madá era gordão. Babão não precisa explicar, mas já
não me lembro de Aripi.
Os carnavais do corso, dos desfiles de Vemaguetes, Rurais,
Gordinis, Jeeps e do Caminhão das Raparigas me pegam ginasial na Teresina de
ontem. O meu destaque era para o Caminhão das Raparigas, quando as putas saíam
do Cabaré pra desfilar no meio da elite. Levantavam as saias, jogavam
lança-perfume, confetes e serpentinas. Só mais tarde comecei a prestar atenção
nas nossas pobres escolas de samba e ecoa na memória os versos “escravos vão
mostrar o seu valor / que o preto pode ser doutor”. Lembro ainda do alfaiate
Bernardo Cruz, da Nicinha. Mais tarde no Beco do Prazer – atrás da Igreja de
São Benedito – e os pecados ali cometidos.
Noutros carnavais viajei de trem para acampar na Praia de
Atalaia, em Luís Correia – e não tinha essa multidão que tem agora. Depois
lembro uma desastrosa viagem para Sete Cidades onde o dinheiro acabou e ficamos
presos num quarto em Piracuruca. Ali gravamos uma fita vídeo-cassete (alguém ainda
lembra?) que insiste em ficar melhor a cada dia que passa, contando um passado
em que vivíamos alegres.
Doutra vez tínhamos um bloco de carnaval e um amigo folião chegava fantasiado pra concentração e começava a beber cedo. Nunca saiu com o bloco. Quando o bloco saía, ele ficava deitado não chão da concentração completamente borracho. Mas no outro dia aparecia fantasiado para começar tudo de novo. Não saía. Assim nos três dias. Na quarta feira de cinzas vinha ele fantasiado pro bloco, sem saber que o carnaval já tinha acabado. Foi apelidado de Folião.
Doutra vez tínhamos um bloco de carnaval e um amigo folião chegava fantasiado pra concentração e começava a beber cedo. Nunca saiu com o bloco. Quando o bloco saía, ele ficava deitado não chão da concentração completamente borracho. Mas no outro dia aparecia fantasiado para começar tudo de novo. Não saía. Assim nos três dias. Na quarta feira de cinzas vinha ele fantasiado pro bloco, sem saber que o carnaval já tinha acabado. Foi apelidado de Folião.
No Rio os primeiros Carnavais foram num sítio próximo ao Guandu.
Foi lá, bem depois, que o Plano Collor nos pegou sem dinheiro no banco. Também
não tínhamos. Não nos atingiu.
Foi num Carnaval que fui a primeira vez a Buenos Aires. Não
posso deixar de lembrar os primeiros Carnavais dos loucos do Engenho de Dentro –
o Loucura Suburbana que resiste até hoje. Foi uma época de sonhos felizes.
Não contei tudo. Apenas algumas passagens para dizer que só
agora entendi que o Carnaval marca a passagem do tempo, para mim. Não é um
presépio ou as queimas de fogos no fim do ano. O ano passa no Carnaval. Daí a
melancolia que ele causa em mim.
O Sérgio Sampaio ficava intrigado porque “O Bloco na Rua”
fazia sucesso nos carnavais. Queixava-se que a música era melancólica, sofrida,
mas todo mundo lembra-se dela para cantar na alegria do Carnaval. Um parceiro
do poeta – que não lembro o nome – perguntou decisivo: “Mas quem disse que
carnaval é alegre”?
“Eu quero é botar meu bloco na rua”. Mas não me lembrem que
dormi de touca e que Durango Kid quase me pegou.
Edy Star, mandando ver |
Moacyr Luz e Chico Salles |
Xico Sá, veio ao bloco por indicação de Macalé |
Leo Gandelman |
A saída proibida até os portões do Parque Guinle |
Piau |
Marcão Sampaiófilo |
Chico Regueira |
1000TON, Pererinha, Piauinauta e Léo Almeida |
Esse ano foi o ano do Sampaio. Terceiro ano do Bloco na Rua, mas desta vez com uma alegria contagiante (talvez escondendo a melancolia sampaiófila) com o Mercadinho São José pegando fogo. O homenageado foi o Edy Star, o único vivo do célebre disco Seção das 10 da Grã-Ordem Kavernista.
Conversando com o nosso Edy sobre os sobreviventes daquela época em que os poetas morriam cedo, o Kavernista mandou: "Olha, meu filho! Alguém tinha que ficar vivo para contar a história senão ninguém lembraria mais deles". Essa foi a missão do bloco que um grupo de amigos imaginou nas rodas de quarta-feira no Bar Botero, no Mercadinho de Laranjeiras: lembrar a memória de Sampaio. E com ele a de Raul Seixas, Mirian Batucada, Torquato Neto e tantos outros que saíram do bloco antes da hora.
No ano passado o bloco contou com a presença de Melodia e Macalé, que esse ano não vieram. Mas Xico Sá contou que veio porque Macalé lhe convidou. Vai ver que Macau esqueceu, mas se fez bem representar. Piau e Moacyr foram violonistas do Sampaio. Estava também presente Rodrigo Moreira, o biógrafo do Sérgio Sampaio. E foi bonito ver a molecada nova cantando as músicas do Sampaio.
Foi uma noite pra ser lembrada. E a camisa desenhada pelo mestre Gervásio ficou dez. Ele até deixou de usar preto naquela noite para vestir o dourado do Sampaio.
O carnaval já pode acabar antes de começar. E será lembrado com melancolia no futuro.
Contracapa |
Raul, Miriam, Sampaio e Edy Star |
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