(Edmar Oliveira)
A Ilustrada da FOLHA trouxe uma matéria, semana passada,
assinada por Fabíola Brisolla, que desconstrói a lenda de Bob Lester, morto no
final do ano passado com quase cem anos ou mais de cem (não se sabe ao certo).
São várias as reportagens com as histórias de Bob Lester,
publicadas na imprensa por todo século XX e nestes quinze anos de XXI. Bob era
sapateador, com o nome de Edgar (sobrenome Negrão de Lima), que dizia ter feito
parte do Bando da Lua, acompanhantes de Carmem Miranda. Era apenas uma história
repetida várias vezes com fotografias onde se dizia ser um dos componentes do
Bando (variava o personagem que ele assumia). Virou verdade. Dizia que era
gaúcho, que foi Bob Hope quem sugeriu seu nome artístico e que sapateara com
ninguém menos que Frank Sinatra. Para configurar o passado dizia que quando
voltou ao Brasil, morou no Copacabana Palace, por ser amigo de ninguém menos
que Jorginho Guinle. Inventou ainda uma tragédia com a família (teria perdido
num acidente de carro a mãe, a esposa e duas filhas). Após isso sua vida degringolou.
Viveu como mendigo pelas ruas. Chegou a dar entrevista no Jô Soares e
conquistou a fama de ex-sapateador famoso, que após uma tragédia perdeu tudo.
História comum que a vizinhança costuma inventar para seus mendigos. Desta vez
o próprio mendigo criou a lenda.
Mas até morrer, embora na miséria, Bob Lester se fez
acreditar na sua história inventada. A matéria diz que nem Edgar era seu
verdadeiro nome. Talvez uma primeira invenção. Ruy Castro quando fez a
biografia de Carmem Miranda não encontrou registro do passado de Bob Lester,
porque não tinha. Mas não o destruiu, preferiu omitir e confirma isso à
reportagem. Bob teria procurado Ruy no Museu da Carmem Miranda e perguntou: “Seu Ruy, preciso comer. O que vou fazer?”,
por saber que o pesquisador sabia da sua farsa. Ricardo Cravo Albin, mesmo
sabendo a verdade, confessa que mentiu para proteger o simpático velhinho, que
ainda conseguia cachês para exibir seu sapateado. Era um artista fingindo ser
Bob. E até tinha ainda uma história de que fora goleiro de um time gaúcho e
tinha enfrentado o lendário Heleno de Freitas. Mas a lenda era Bob Lester.
Impressionante a história deste homem que criou para si um
passado fictício que todos acreditaram, inclusive ele próprio.
Geralmente a vizinhança inventa para seu mendigo predileto
um passado de glória e riquezas, que por, quase sempre, uma paixão não
correspondida, ficou “aluado” e virou mendigo. Quase sempre essas lendas são
falsas, desejo de quem a inventa para justificar uma situação incompreensível. Mas o
Bob Lester foi um artista inventado por ele mesmo. Teve dinheiro, era amigo de
Jorginho Guinle, conheceu Frank Sinatra e Bob Hope, cantou e sapateou com Carmem
Miranda, saiu do foco e acabou na sarjeta. Foi por estar na sarjeta que inventou
a lenda.
Interessante a atitude dos pesquisadores que não quiseram prejudica-lo
e só revelaram seus segredos, que
destruiria o personagem, após a sua morte.
Me lembrou o famoso faroeste “The Man Who Shot Liberty
Valance” (O Homem que Matou o Facínora – em português), e a conclusão final do
jornalista: “se a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda”.
Eu também conheço um Bob Lester e talvez um dia conte essa
história – ou a lenda!
Bob Lester em frente ao Copacabana Palace, onde costumava ganhar uns trocados contando sua "história". |
A reportagem:
www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/02/1738969-bob-lester-e-sua-trajetoria-inventada.shtml
Um comentário:
Acho que não dá para dizer nem que sim nem que não.
A vida de Bob não foi uma completa mentira. Na matéria de hoje, 21-02-16, do Jornal Extra, "O Mistério de Bob Lester", há inclusive fotos de quando ele era novo, e muito bem vestido, ao lado de Nelson Gonçalves e ao lado de Procópio Ferreira e outros artistas. E nela o pesquisador Albin não exclui totalmente a participação dele no grupo, como antes havia mostrado a reportagem da Folha.
A vida de Bob continua sendo um mistério. De que forma uma pessoa de família tão humilde,em tempos tão remotos, poderia ter aprendido a sapatear e cantar em várias línguas? Provavelmente, se tivesse ido lá para fora e, como a própria família atesta nesta reportagem do Extra, Bob Lester desapareceu por uns trinta anos.
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