domingo, 21 de fevereiro de 2016

DE NEURAS E PERVERSOS


(Edmar Oliveira)

A psicanálise diz que, na construção do sujeito, o homem pode ser neurótico, psicótico ou perverso. Como a maioria constrói um ser neurótico, somos os normais. A Nise, que não gostava dos normais, fala – citando Artraud – nos “inumeráveis estados do ser”. Ela achava que os neuróticos precisavam “psicotizar” algumas vezes. O que caracteriza o ser humano neurótico é a culpa – do complexo de Édipo em Freud à civilização judaico-cristã da interpretação sociológica. A culpa nos faz solidários, humanos. Das psicoses se encarregam os estudiosos da psicanálise, da psicologia e da psiquiatria – que também se ocupam dos neuróticos, quando a aceitação normal se faz transtorno e sofrimento, que a culpa pode provocar. O psicopata é inabordável por terapias e se tornavam problemas com a justiça.

Mas parece que as categorias vêm sofrendo mudanças. Dany-Robert Dufour, filósofo e psicanalista francês, analisando o individualismo provocado pelo capitalismo no seu estado mais avançado, nos diz que talvez a normalidade passe a ser o psicopata. Aquele que pisa no pescoço da mãe para chegar ao topo.

Uma piada perversa ilustra muito bem a suposição do Dufour. Perdidos numa savana africana, dois amigos ouvem o rugido de um leão. Um tenta fazer barricadas e se armar de paus e pedras. O outro, sem ajudá-lo, procura um tênis de última geração na mochila. O amigo, desesperado com a atitude do outro, estranha a situação: “você acha que vai correr mais que o leão?”. Tranquilamente o outro continua a calçar os tênis e responde calmamente: “Não. Acho que vou correr mais que você”. Essa metáfora não ocorre realmente nas empresas capitalistas?

Os executivos das grandes empresas vivem uma competição perversa e o neurótico leva uma grande desvantagem na concorrência. Parece que o perverso vem se destacando em todas as atividades. E não há vagas na primeira fila pra todo mundo, embora o capitalismo faça crer que a culpa é da ineficiência de quem não consegue lugar na primeira fila. Daí passar por cima de tudo e de todos para ficar na primeira fila é uma atitude perversa.

Na política, então, nem se fala! Estou com medo deles já serem a normalidade, desbancando a humanidade neurótica. Aí, teremos um outro mundo e velhos, como eu, não têm o direito de existir. Ou a reforma da previdência não é uma perversão? Ou o roubo de dinheiro público para realizar desejos dos políticos, tirando direitos do cidadão, não é perversão?

Temos um presidente da Câmara dos Deputados que se mantêm no poder, mesmo depois de ter sido provado caso de propinas e dinheiro ilegal no exterior. Mas ele está ali firme: não tem culpa, remorso ou medo. Ele não tem os sintomas do neurótico. Acredita que não tem culpa, por isso não tem medo e vai seguindo em frente comandado a nossa mais importante casa política. Ele não nega a realidade, apenas, em alguns momentos, a substitui pelo seu próprio desejo. Retirar um pedido de impeachment ou coloca-lo em ação depende da satisfação do seu desejo. O que impressiona é que essa posição perversa é aceita. E se é aceita passa à normalidade das instituições como previu Dufour. Os neuróticos, com seus escrúpulos da culpa, que se retirem de cena. Não há mais campo para sua ação. E a resposta a esta posição tem de ser no campo da lei ou no campo da perversão. Ou a lei faz parar o perverso ou outro perverso o substitui. E assim vai se constituindo a nova normalidade. A lei vai ficando démodé.

É só um exemplo, que parece refletir em toda a sociedade sobre a concorrência desse desenfreado capitalismo, com a flexibilização dos direitos trabalhistas, da queda do estado de bem estar social, das leis que obedecem aos desejos de juristas, da ética – que se tornou uma bobagem exercida pelos otários.

O neurótico é o otário, o perverso o experto. E ao psicótico resta o retorno aos manicômios, ele que já estava sendo aceito entre os neuróticos. É a barbárie!

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ilustrações de 1000TON






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