A psicanálise diz que, na construção do sujeito, o homem pode
ser neurótico, psicótico ou perverso. Como a maioria constrói um ser neurótico,
somos os normais. A Nise, que não gostava dos normais, fala – citando Artraud –
nos “inumeráveis estados do ser”. Ela
achava que os neuróticos precisavam “psicotizar”
algumas vezes. O que caracteriza o ser humano neurótico é a culpa – do complexo
de Édipo em Freud à civilização judaico-cristã da interpretação sociológica. A
culpa nos faz solidários, humanos. Das psicoses se encarregam os estudiosos da
psicanálise, da psicologia e da psiquiatria – que também se ocupam dos
neuróticos, quando a aceitação normal se faz transtorno e sofrimento, que a
culpa pode provocar. O psicopata é inabordável por terapias e se tornavam
problemas com a justiça.
Mas parece que as categorias vêm sofrendo mudanças.
Dany-Robert Dufour, filósofo e psicanalista francês, analisando o
individualismo provocado pelo capitalismo no seu estado mais avançado, nos diz
que talvez a normalidade passe a ser o psicopata. Aquele que pisa no pescoço da
mãe para chegar ao topo.
Uma piada perversa ilustra muito bem a suposição do Dufour.
Perdidos numa savana africana, dois amigos ouvem o rugido de um leão. Um tenta
fazer barricadas e se armar de paus e pedras. O outro, sem ajudá-lo, procura um
tênis de última geração na mochila. O amigo, desesperado com a atitude do
outro, estranha a situação: “você acha
que vai correr mais que o leão?”. Tranquilamente o outro continua a calçar
os tênis e responde calmamente: “Não.
Acho que vou correr mais que você”. Essa metáfora não ocorre realmente nas
empresas capitalistas?
Os executivos das grandes empresas vivem uma competição
perversa e o neurótico leva uma grande desvantagem na concorrência. Parece que
o perverso vem se destacando em todas as atividades. E não há vagas na primeira
fila pra todo mundo, embora o capitalismo faça crer que a culpa é da ineficiência de quem não consegue lugar na primeira fila. Daí passar por cima de tudo e de todos para ficar na primeira
fila é uma atitude perversa.
Na política, então, nem se fala! Estou com medo deles já
serem a normalidade, desbancando a humanidade neurótica. Aí, teremos um outro
mundo e velhos, como eu, não têm o direito de existir. Ou a reforma da
previdência não é uma perversão? Ou o roubo de dinheiro público para realizar desejos
dos políticos, tirando direitos do cidadão, não é perversão?
Temos um presidente da Câmara dos Deputados que se mantêm no
poder, mesmo depois de ter sido provado caso de propinas e dinheiro ilegal no
exterior. Mas ele está ali firme: não tem culpa, remorso ou medo. Ele não tem
os sintomas do neurótico. Acredita que não tem culpa, por isso não tem medo e
vai seguindo em frente comandado a nossa mais importante casa política. Ele não
nega a realidade, apenas, em alguns momentos, a substitui pelo seu próprio
desejo. Retirar um pedido de impeachment ou coloca-lo em ação depende da
satisfação do seu desejo. O que impressiona é que essa posição perversa é
aceita. E se é aceita passa à normalidade das instituições como previu Dufour.
Os neuróticos, com seus escrúpulos da culpa, que se retirem de cena. Não há
mais campo para sua ação. E a resposta a esta posição tem de ser no campo da
lei ou no campo da perversão. Ou a lei faz parar o perverso ou outro perverso o
substitui. E assim vai se constituindo a nova normalidade. A lei vai ficando
démodé.
É só um exemplo, que parece refletir em toda a sociedade
sobre a concorrência desse desenfreado capitalismo, com a flexibilização dos
direitos trabalhistas, da queda do estado de bem estar social, das leis que
obedecem aos desejos de juristas, da ética – que se tornou uma bobagem exercida
pelos otários.
O neurótico é o otário, o perverso o experto. E ao psicótico
resta o retorno aos manicômios, ele que já estava sendo aceito entre os
neuróticos. É a barbárie!
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ilustrações de 1000TON
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