(Aderval Borges)
Joílson muambeiro soube que eu iria à comarca comprar coisas para o sítio e me pediu para dar carona para um tal padre Juju. Pelo apelido, logo deduzi com meus botões mais preconceituosos: “Deve ser mais um padre veado.” Mas o homenzarrão que entrou em meu carro na sequência não tinha quaisquer trejeitos de um. Fechou a porta da picape com força desmedida e sequer me cumprimentou. Como se me conhecesse de longa data, ordenou: “Pode tocar.”
No caminho até a comarca pouco falamos. A certa altura me pediu para que entrasse na pequena Brasitânia, logo próximo da pista, para dar umas palavrinhas com uma paroquiana. Atendi a seu pedido sem mais delongas. Quem sou eu, um ateu, para questionar o pedido de um servo de Deus? Enquanto papeava com a tal paroquiana, notei pelo espelho retrovisor que ela era muito bem apessoada. Os dois conversaram um bocado diante do portão da casa da mulher e eu só aguardando dentro do carro, sem uma sombra por perto, no sol a pino.
Quando voltou ao veículo, padre Juju disse que iria apanhar seu carro numa oficina. Explicou que se tratava de um Fusca, desses muito antigos. Pediu-me para que o acompanhasse no retorno, após ter feito minhas compras, a fim de ampará-lo no caso de o carro voltar a apresentar problemas. Aceitei sem mais delongas.
Concluídas as minhas compras, fui até a oficina onde combinamos de nos encontrar. Reclamou da minha demora e nada respondi. Ele saiu no Fusca e solicitou que eu viesse logo atrás. Mas dirigia em tal velocidade que me foi impossível acompanhá-lo. Cerca de meia hora depois dele, cheguei à nossa pequena cidade. Seu carro, claro, não apresentara nenhum problema. Perguntou com óbvio tom de malícia: “Você tirou Carteira de Motorista há pouco tempo?” Não respondi. Mas o desejo de mandá-lo para aquele lugar foi grande.
Depois disso passei a me deparar com padre Juju em várias ocasiões. Estava com minha querida Rosana bebendo uma cervejinha numa quermesse, veio o padre por trás, mandou-me um tapa nas costas que me deixou quase sem fala. O tempo suficiente para engatar uma animada conversa com minha esposa, repleta de elogios a ela. Quando ele enfim se retirou, Rosana perguntou: “Quem é esse moço simpático?” Respondi o necessário: “O filho duma puta dum padre.”
Mais alguns dias, minha madrasta me incumbiu de levar umas encomendas à casa paroquial. Fui recebido no portão por uns trocentos gatos e cachorros. Depois soube que recolhia todos os bichos abandonados que encontrava e gastava a maior parte dos dízimos para alimentá-los. Bati palmas, a cachorrada latiu endoidecida, até que ele apareceu todo descabelado. Fez sinal para que eu entrasse. Deparei-me com o interior da casa paroquiana repleto de mulheres de todas as idades alvoroçadas em torno do padre, numa intimidade que só se vendo.
Joílson muambeiro então me convidou para uma pelada de futebol. Quando cheguei ao campo, quem estava por lá? Padre Juju, o próprio. O desgraçado também era boleiro! Dois camaradas tiraram par ou ímpar para escolher os times e notei que todos queriam jogar no time do padre. Logo entendi o motivo: Juju era um perna de pau da pior espécie, mas compensava os maus tratos à bola dando porradas nos adversários. Pior: fui escolhido para o time contrário ao dele. Na primeira pegada, ele me tirou do jogo. Voltei para casa mancando e pensando em como contratar alguém para dar uns tiros no padre.
Não foi preciso. Naquela mesma noite ele veio com o Fusca até minha casa, trouxe um isopor repleto de cervejas e um buquê de rosas para minha querida Rosana. Felizmente ela não estava em casa para receber o buquê e seus manjados galanteios. Depois de horas de cervejada, ficamos amigos de babar de rir das respectivas piadas. Mas nossa amizade durou pouco. Cansado de levar tombos nas atividades rurais, aceitei me mudar com Rosana para uma cidade maior, a fim de retomar o jornalismo. Quando voltei à nossa pequena cidade tempos depois, soube que Juju espatifara seu Fusca na pilastra duma ponte, para evitar o atropelamento de um cachorro que atravessara inadvertidamente a pista.
Pelo que me informaram, o velório, ocorrido na igreja local, foi dos mais concorridos. Uma legião de paroquianas proveniente das várias bibocas da região veio velá-lo. Algumas choravam de forma tão desesperadora como se tivessem perdido um marido. Pelas tantas, me disse Valtinho da Dona Eugênia, duas paroquianas entraram no tapa para disputar a primazia de ficar ao lado do falecido e foi preciso a intervenção do bispo para que o conflito não se generalizasse, envolvendo todo o mulherio.
Lamento, com sinceridade, a morte de padre Juju. Embora tenha me tornado amigo dele, não mudou minha opinião a seu respeito: era um filho duma puta. Porém um bom filho duma puta, desses que por mais que nos façam sacanagens, não conseguimos odiá-los.
Fotos a seguir: o Fusca de padre Juju após o acidente; paroquianas afoitas; autoridades presentes ao seu velório, as carpideiras mais exaltadas; e o cachorro que provocou o acidente.
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